
08 Aug Além dos livros: escola deixa que a natureza e o outro ensinem o que não se aprende em sala de aula
Escola da Serra, em Belo Horizonte, inova derrubando muros e propondo acampamentos selvagens em seu currículo oficial. Na volta, uma surpresa: crianças mais auto-confiantes, unidas, e próximas da sua essência.
Por Mariana Sgarioni
08/08/2017
Na hora da chegada ou da saída, o pátio da Escola da Serra, em Belo Horizonte, mais parece uma pracinha de interior. Cercadas de árvores, crianças pulam, sobem e descem, enquanto pais conversam sem pressa de ir embora.
Construída numa área total de mais de 4 mil m2, a escola propõe um modelo diferente de educação: não há uniforme, séries, notas, provas, ou salas fechadas. As turmas de educação infantil, quando estão do lado de dentro, contam com paredes envidraçadas que mostram todo o jardim lá fora.
Por que a Escola da Serra é considerada uma instituição de ensino diferente?
Por vários motivos. Para começar, entendemos a educação como um processo de construção de conhecimento único para cada criança e jovem. Cada aluno é único e deve ser acolhido em seus talentos e dificuldades. Vivemos e defendemos a democracia. Prezamos a arte e as cores: cuidamos de um ser humano inteiro e não apenas da sua cabeça. Da sua criatividade, sua sensibilidade. Abraçamos estes objetivos. Nos últimos treze anos, fomos lapidando essas ideias e ousando cada vez mais ao tentar responder às perguntas: qual a essência da educação? O que faz sentido para uma escola? Assim, fomos limpando as “bobagens” que nos cercavam: não temos uniforme, turmas, séries, salas de aula, notas, nem aulas formais. Chegamos, enfim, à essência de uma escola: os alunos vêm para cá simplesmente estudar e aprender. Ponto.
Essa pergunta é difícil porque não separamos criança e natureza. Elas são uma coisa só. Entendemos que a educação deve estar fundada nas relações que as crianças estabelecem dentro da escola e no ambiente. Temos mais de 2 mil metros de área livre abertos quase o tempo todo. Crianças brincam lá fora, sobem e descem das árvores. Incentivamos que andem descalços, que brinquem com terra e areia. Os brinquedos disponíveis são de escalar, de pendurar, de entrar no túnel, de desafios corporais. Na educação infantil, temos janelas grandes para que as crianças possam ver as árvores mesmo quando estão dentro da escola. E temos os projetos de acampamento para os mais velhos.
Eu adoro acampar, faço isso desde muito jovem e estas experiências me ajudaram a crescer e a me tornar quem sou hoje. Acampei muito com minhas filhas quando eram menores. Depois que elas cresceram perdi a companhia [risos]. Então pensei: por que não levar meus alunos? As crianças hoje estão muito fechadas em apartamentos e shoppings. Como será esta geração que só conhece plástico? É preciso tirar esses meninos do excesso de urbanidade. Eles não podem ficar restritos a um ambiente tão limitado. Então procurei um lugar que fosse bem selvagem, sem estrutura, sem banheiro, cozinha, nada. Encontrei um lugar deslumbrante, na Serra do Cipó. Acampamos ao lado de uma nascente e a 30 metros de um ribeirão, no pé de uma serra maravilhosa.
Como funciona?
Este é um programa para jovens de 13 e 14 anos. Vamos na segunda quinzena de maio, e acampamos durante cinco dias. Em geral, vão cerca de 65 crianças – mas já tivemos 90! Passamos mais de 2 meses preparando os alunos para esse momento. Eles aprendem a montar e desmontar barracas, mexer com machado, facão, cozinhar, primeiros socorros. Temos um manual de acampamento em que passamos todas as instruções, e o repassamos várias vezes, com regras. Neste ano trouxemos especialistas e fizemos um curso de como lidar com animais peçonhentos, como cobras e escorpiões. Logo que chegamos, fazemos uma trilha de pouco mais de 1 km, e os próprios alunos montam as barracas. Em 13 anos já levamos mais de 600 crianças para o mato!
Qual o efeito dessa experiência nos alunos quando voltam?
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