Bora pedalar!

Grupo de crianças está sentado com suas bicicletas em frente a uma casa. Atrás delas uma faixa escrita

06 Dec Bora pedalar!

Um projeto da professora de educação física Ana Destri, de Florianópolis, já sensibilizou mais de 6 mil estudantes da escola pública para adotarem as bicicletas como meio de transporte

Uma mudança de hábito na vida de Ana Destri, de 53 anos, acabou promovendo uma revolução também na vida de diversas crianças em Florianópolis. Em 2012, a professora de educação física se cansou de passar uma hora e meia no trânsito para chegar ao trabalho e resolveu adotar a bicicleta como meio de transporte.
Não foi uma decisão simples. Ana mora na parte continental da capital catarinense, e precisa atravessar a ponte Pedro Ivo para chegar à escola onde trabalha, na ilha. Vencido o medo, ela causou surpresa entre os alunos da escola de ensino fundamental ao chegar para dar aulas de bicicleta. 
A curiosidade das crianças logo se transformou em uma aula sobre a história, o uso e outras curiosidades da bicicleta. Então, Ana percebeu que poderia ampliar sua atuação nas aulas de educação física com o uso de magrelas e capacitação para que as crianças seguissem seu exemplo e passassem a usar a bicicleta como meio de transporte. Foi assim que surgiu, em 2014, o projeto Bicicleta na Escola.

b2Como você pensou em montar o Bicicleta na Escola?

Quando comecei a usar a bicicleta como meio de transporte, percebi que os alunos a viam apenas como um brinquedo. Tive a ideia de introduzi-la nas aulas de educação física. No início, cada um trazia sua bike e as usávamos na quadra da escola. Aos poucos, percebi que poderia ensiná-los para que ela virasse também meio de transporte.
Paralelamente, eu tinha apresentado um projeto para a secretaria de educação: passei a medir a quantidade de bicicletas que havia nos bicicletários das escolas da rede municipal diariamente e me surpreendi com o resultado. Em alguns casos, havia 20, 30 bicicletas, um número considerável, dada a quantidade de alunos. Aí comecei a estruturar o projeto. No começo, eu apenas dava palestras e organizava passeios ao redor das escolas. Depois, me juntei com alguns amigos do Bike Anjo, um coletivo que ensina as pessoas a trafegarem de bicicleta pelas grandes cidades. Assim, fui acrescentando novas atividades e melhorando o Bicicleta na Escola. Com o tempo, levamos a proposta à Prefeitura e ela foi acolhida por algumas unidades de ensino como projeto transversal.

Como funciona?

Agendamos, com a equipe pedagógica da escola, cinco momentos com as crianças que duram em torno de 45 minutos cada um. Começamos com uma roda de conversa, para entender o contexto e o uso elas fazem da bicicleta. No encontro seguinte sugerimos brincadeiras com a bici. Depois, mostramos sua possibilidade como meio de transporte, levando as crianças para um passeio na rua, apresentando e direcionando o seu olhar para o trânsito. Em seguida, voltamos para a sala e conversamos um pouco sobre o “direito de ir e vir”, sobre o que elas observaram, e construímos também placas ativistas, reivindicando o direito à cidade…
Então, a bicicleta volta para a escola como veículo. Ensinamos as sinalizações manuais, adotadas por ciclistas, e simulamos situações para que a aprendizagem das regras de trânsito seja vivenciada de forma lúdica. O ápice do projeto se dá quando acompanhamos as crianças de casa para a escola e vice-versa, formando “bondes” e colocando em prática todos os aprendizados. Já passamos por mais de 20 escolas da rede municipal de Florianópolis. Devemos ter sensibilizado mais de 6 mil estudantes para utilizarem a bicicleta como meio de transporte, sem contar os seu familiares.

Bicicleta na escolaÉ seguro uma criança andar em meio aos carros, no trânsito das grandes cidades?

Infelizmente falta muita coisa para que seja 100% seguro. Essa é uma preocupação grande que eu tenho. Florianópolis tem um relevo muito acidentado, faltam calçadas e ciclovias. A maioria dos motoristas não é educada para compartilhar as vias com as bicicletas. Mas a bicicleta é o único meio de transporte que algumas das crianças têm para ir à escola. Então, tento ensiná-las a pedalar da melhor forma possível, com segurança. Também busco atuar para mudar a realidade no entorno escolar, mas esse é um objetivo bem mais difícil de ser alcançado, porque depende de muitas áreas do poder público.

Que benefícios você percebe que as crianças têm ao pedalarem?

Como sou professora de educação física, o primeiro e mais óbvio é a atividade física. A bicicleta trabalha vários grupos musculares, não exclusivamente as pernas. Outras partes importantes são a coordenação motora, o equilíbrio, a organização espacial e temporal que precisa ser desenvolvida ao longo da infância. Mas há também outros benefícios, que têm mais a ver com o mundo em que estamos inseridos. A bicicleta é um meio de transporte que ajuda a transformar as cidades em lugares melhores para as pessoas viverem, com menos poluição, menos trânsito, mais saúde. Penso que minha geração talvez não consiga colher os frutos desse trabalho, mas acredito estar colaborando com a formação de pessoas que realmente pensem a cidade para as pessoas, desenvolvendo o senso crítico, começando pelo seu brinquedo: a bicicleta.

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