“A natureza está gritando, pedindo ajuda. Precisamos ouvir”

A ativista indígena Txai Suruí fala sobre a importância de aprender com os povos originários para garantir um futuro justo e sustentável para todos
Foto de Txai Suruí, uma jovem indígena de cabelos escuros e lisos. Ela tem franja e segura na foto uma arara.

11 Nov “A natureza está gritando, pedindo ajuda. Precisamos ouvir”

A ativista Indígena Txai Suruí, fundadora do movimento da Juventude Indígena de Rondônia, foi a única brasileira a discursar na abertura oficial da Conferência da Cúpula do Clima (COP 26), em Glasgow, na Escócia, diante dos líderes mundiais. Defendendo maior participação dos povos indígenas nas decisões, a sua fala carrega uma história de luta pela floresta em pé, pelos direitos de seu povo e por justiça ambiental e social para todos.

A jovem de 24 anos, do povo Paiter Suruí, localizado na Terra Indígena 7 de Setembro, é filha de Almir Suruí, líder indígena, e da ativista Neidinha Suruí, responsável pela Kanindé – Associação de Defesa Etnoambiental. Me iniciei no ativismo muito nova, inspirada por meus pais”, diz Txai. Na entrevista a seguir, ela conta como foi sua infância em contato com a natureza e seu engajamento com o movimento indígena e a pauta de mudanças climáticas, sendo voluntária no Engajamundo, organização de jovens do Brasil inteiro.

Por Lucy Matos

Como foi sua infância?

Minha mãe é a fundadora da Kanindé, uma organização que nasceu há mais de 29 anos, do trabalho junto ao povo indigena Uru-eu-wau-wau, com ações de vigilância e fiscalização da Terra Indígena, acompanhamento de políticas públicas e defesa do meio ambiente. Hoje, a Kanindé, onde eu trabalho na parte jurídica, também inclui povos de outras partes do estado de Rondônia, como o meu, o Paiter Suruí. Por isso, cresci na minha aldeia, na Terra Indígena 7 de Setembro, e na Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, onde minha mãe trabalha, desde antes de eu nascer. Na aldeia, minha infância foi de muitas brincadeiras. As crianças de todas as idades se juntavam para brincar com arco e flecha, jogar futebol, andar na floresta, ir em cachoeiras e pescar no rio. Cresci no rio, a gente sempre ia nadar. Lembro e tenho saudades de quando meu avô, meu pai e tios contavam histórias para a gente. Quando a noite estava mais fria, fazíamos uma fogueira, e eles contavam histórias do nosso povo, histórias sobre nossa cultura e sobre os espíritos da floresta.

O que você teve na infância que falta às crianças de uma grande cidade?

Penso que tive uma infância normal, como a das outras crianças da aldeia, mas comparando com a infância de muitas crianças que nascem e crescem nas cidades, diferentemente delas, eu cresci com a natureza. O conhecimento sobre a natureza e o respeito com toda forma de vida é algo que aprendemos desde pequenos na aldeia. Crescemos sabendo que a vida de uma pequena planta, de um pássaro e de todos os outros animais, assim como a nossa vida, tem exatamente o mesmo valor, porque somos todos natureza. Acredito que falta esse entendimento, essa conexão com a natureza, para que as crianças, à medida que crescem, não percam esse senso de pertencimento. Todos somos natureza.

Como essa relação que as crianças indígenas têm com a natureza vem sendo afetada pela crise climática?

A vida das crianças indígenas está sendo diretamente afetada. Mulheres, jovens e crianças são os que mais sofrem. Nós, povos indígenas, estamos sendo atingidos pelas causas e pelas consequências das mudanças do clima. As causas, porque os desmatamentos e as queimadas, fatores que em grande parte provocam o aquecimento do planeta, vem acontecendo dentro de terras indígenas, que estão sendo invadidas e contaminadas. As consequências porque estamos passando por uma pandemia, causada por uma doença respiratória, e ao mesmo tempo por uma época seca, em que as queimadas estão cada vez mais recorrentes. A fumaça chega às aldeias e é respirada por uma população que, com comprovação científica, é mais vulnerável a doenças respiratórias. Mas só quando os efeitos visíveis das queimadas chegam às cidades, como aconteceu em 2019, quando o céu escureceu mais cedo em São Paulo, é que passam a falar com urgência sobre o que está acontecendo. Aqui, acordamos e sentimos nossa garganta seca, isso afeta diretamente nossa saúde e também nossa segurança alimentar.

Para muitas crianças e adolescentes, ler e saber sobre as mudanças climáticas é fonte de ansiedade e de angústia. O engajamento pode ajudar a mudar essa perspectiva? Ele te ajudou?

Foi quando conheci o Engajamundo, organização de jovens que trata principalmente das mudanças climáticas, na COP 25, em Madri, que comecei a entender essas discussões. Mesmo vivendo em contato com a floresta e falando sobre meio ambiente, não era claro para mim que o trabalho que eu realizava na aldeia, junto com a Kanindé, estava ligado às mudanças climáticas. Fazer parte do Engajamundo foi empoderador, abriu espaço para que eu pudesse levar para outras pessoas o que está acontecendo aqui em Rondônia, um dos lugares no Brasil com mais problemas em relação aos territórios indígenas. A luta indígena, que é uma luta pela vida e passa por todos os âmbitos da sociedade, está e sempre esteve ligada à luta pelo meio ambiente e fazer essa conexão é essencial. Falar de planeta, de vida, de mudanças climáticas, é também falar sobre povos indígenas, é falar sobre pessoas.  

Os povos originários têm sofrido uma série de golpes em seus direitos e vêm se organizando para ocupar espaços políticos e combater instrumentos como o PL 490, que habilita a exploração de minério em terras indígenas, e o Marco Temporal. Com que ferramentas lutar?

Nossa vida está ligada ao território, não tem como falar em povos indígenas sem falar em território. Invasões estão acontecendo na nossa casa. Você pode imaginar a sua casa ser invadida e destruída? Nós, povos indígenas, vivenciamos isso e precisamos lutar por nossas vidas desde pequenos. Em agosto, retomamos em Brasília a Mobilização Nacional Indígena do Levante Pela Terra, que pressiona projetos de lei – que chamamos de projetos de morte – como o PL 490 e o Marco Temporal. Além disso, realizamos trabalhos de incidência política e hoje temos organizações atuando, inclusive judicialmente, para rever todos esses retrocessos. Os movimentos de juventude indígena também têm se colocado em todos os lugares, com estratégias como o advocacy, trazendo fundamentação jurídica para a causa. 

Como a sociedade pode contribuir e potencializar essa luta?

Quando falamos sobre projetos de lei como o PL 490, estamos falando também de uma discussão legislativa, com decisões tomadas pelas pessoas que nós, brasileiros, colocamos no poder, mas que não representam toda a sociedade. Diante disso, a população precisa se informar, saber o que cada um desses políticos está defendendo e cobrar aqueles que deveriam ser seus representantes. Vivemos em uma democracia, mas parece que esquecemos o poder que temos na mão, o poder do voto, e de também cobrar quem elegemos. É ainda preciso lembrar que falar sobre terras indígenas não é apenas falar sobre povos indígenas, é uma discussão que perpassa a todos, porque precisamos proteger a natureza. Proteger as terras indígenas é proteger os lugares sagrados em nosso território, a nossa cultura, as nossas crianças e também proteger a natureza. A ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece que os povos indígenas são os guardiões da floresta, os melhores defensores da natureza.

O que os povos indígenas podem ensinar para a sociedade, para o enfrentamento da emergência climática? 

Hoje, o mundo inteiro está falando sobre mudanças climáticas. Falar sobre mudanças climáticas é falar sobre meio ambiente e sobre ações sustentáveis. Nós, povos indígenas, falamos sobre isso desde sempre e temos muito mais a dizer a respeito da floresta. Os povos indígenas têm soluções baseadas na natureza, tecnologias e saberes que são sustentáveis e não agridem a natureza. É preciso aprender com a sabedoria indígena, uma sabedoria cultivada a partir do saber escutar a floresta, saber escutar a natureza. Não existe equilíbrio climático sem os povos indígenas.

A natureza ensina? Como? Qual o maior ensinamento que a natureza te deu?

A natureza fala com a gente, o grande problema é que não sabemos escutar. Em geral as pessoas acham que só é possível ouvir quando alguém fala diretamente com elas, mas os ensinamentos nem sempre estão no que é dito, eles podem estar em ações. A natureza tem uma forma única de se comunicar com a gente, e não estamos escutando, não estamos nos conectando com ela. A humanidade enfrenta uma pandemia que é uma consequência das mudanças climáticas, e justamente essa pandemia é, para mim, a maior lição que a natureza tem dado a todos nós. Ela estava falando há muito tempo e não estávamos ouvindo. Agora podemos ver as consequências das nossas ações, a natureza está mostrando isso para a humanidade. A natureza está falando, ela está gritando e pedindo ajuda.