
08 Oct Como a medicina pode contribuir para infâncias mais ricas em natureza?
Boa leitura e, seguindo as recomendações dos órgãos responsáveis e dos profissionais de saúde, aproveite os momentos ao ar livre!
Raika Julie Moisés
Ainda que estudos comprovem os benefícios do contato com a natureza para o desenvolvimento pleno na infância, nem todas as famílias têm acesso a essa informação. Você, como médica pediatra, inclui em suas consultas esse aconselhamento? Como abordar o assunto e (re)estabelecer esse elo (natureza e infância) de forma permanente?
Sim. Na minha prática como pediatra faço sempre aconselhamento de contato com a natureza. Acredito que é algo que deve ser incentivado sempre, devido aos benefícios físicos, psicológicos e emocionais que a vivência propicia. E acredito que é nessa orientação precoce e rotineira que podemos resgatar o elo com a natureza, que a sociedade moderna costuma esquecer, de forma mais duradoura.
Quais indicativos apontam um possível déficit de natureza no cotidiano das crianças e suas famílias?
Estudos mostram que crianças em privação da natureza podem apresentar irritabilidade, desânimo, agressividade, diminuição na capacidade de concentração, além de sinais e sintomas indiretos, como sedentarismo, obesidade e até depressão.
Considerando as múltiplas realidades, em geral, como as famílias reagem à constatação de um
Criança que tem déficit de natureza, em geral, tem pais com o mesmo problema. É importante conscientizar toda a família sobre os benefícios desse contato, como a diminuição da ansiedade e níveis de estresse, a melhora na circulação sanguínea e na concentração, o aumento de endorfina, responsável pela sensação de bem-estar, entre outros ganhos. Mas é importante que o pediatra compreenda que, se a natureza não faz parte da rotina daquela família, não será apenas o discurso que irá convertê-la. Será necessária uma orientação mais específica, como determinar atividades ao ar livre em formato de prescrição médica, com direito a posologia e tudo.
A pandemia fez com que muitas situações envolvendo a infância ganhassem maior destaque e atenção, como é o caso do confinamento das crianças, o excesso de uso de telas, as práticas escolares emparedadas, entre outros temas. Como a pediatria acompanha e trata essas situações?
A pediatria acompanha com muita preocupação a situação das crianças diante da Pandemia. Um estudo publicado no The Journal of Pediatrics evidenciou que 36% das crianças vêm apresentando aumento na dependência parental, 32% desatenção, 29% estão mais preocupadas, 21% estão com alterações no sono, 14% tendo pesadelos, 18% falta de apetite, 13% agitação motora. Esses achados são multifatoriais. Estão associados ao confinamento, à restrita exposição ao sol e à natureza, ao aumento do uso de mídias digitais, à quebra da rotina e ao comprometimento de pilares importantes no desenvolvimento, como sensação de pertencimento (ao bairro, ao parque, à escola) e manutenção de vínculos afetivos externos (colegas, professores, etc), além das angústias e estresses parentais que inevitavelmente atingem as crianças. A pediatria trata essa situação com orientação para os pais e responsáveis Se está difícil para os adultos, imagine para a criança, cuja experiência de confinamento corresponde à metade, ⅓, 25% de sua vida? É muito tempo relativamente perdido.
Há muitos relatos de familiares, médicos e das próprias crianças sobre uma piora da saúde mental durante o isolamento social. Como lidar com o sofrimento e até mesmo o adoecimento das crianças? O contato de forma segura com a natureza, como o brincar ao ar livre, mantendo o distanciamento, deve ser considerado como uma forma de tratamento?
Uma vez que os pais foram conscientizados sobre a condição de estresse a que seus filhos estão expostos, devem lidar com o sofrimento e adoecimento dessas crianças com acolhimento, validando seus sentimentos, transmitindo segurança, otimismo e propondo estratégias de respiro, como o contato com a natureza de forma controlada. Passeios em parques e ambientes abertos, como jardins, ou construir uma horta em casa e aguar as plantas do prédio são atividades terapêuticas que devem ser incentivadas.
Sem dúvida nós, pediatras, podemos, sim, contribuir na construção de infâncias com mais contato com a natureza. E mais do que isso. A partir disso, promover um futuro mais saudável para toda a sociedade. Pois estudos mostram que crianças que crescem em contato com a natureza apresentam menos problemas de saúde mental na vida adulta, além de ser uma prevenção ao sedentarismo e à obesidade no futuro. Nós, pediatras, devemos nos conscientizar dos benefícios do contato com a natureza e trazer essa orientação rotineira à nossa prática clínica e pessoal. Confesso que, com a pandemia e o consequente confinamento, estou otimista de que a natureza (e todas as suas janelas de oportunidades) voltará a ser valorizada – e vivenciada – de forma mais frequente num futuro breve. Já começo a sentir pequenas mudanças nesse sentido. Sairemos da pandemia sedentos pela liberdade que a natureza propícia.
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