A natureza nos emociona, nos alivia

Lis Leão, pesquisadora do Instituto Israelita Albert Einstein, em São Paulo, estuda como, até mesmo imagens de ambientes naturais, têm o poder de despertar emoções benéficas e apaziguadoras em nós
Mão de criança segurando um filhote de Tracajá.

12 Aug A natureza nos emociona, nos alivia

Lis Leão é apaixonada por ciência e também por fotografia. Ela clica vida selvagem e observa aves desde 2012, e também é pesquisadora e docente no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo. Graduada em letras e enfermagem, é especialista em Saúde Pública e Educação, com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado pela Universidade de Estrasburgo, na França.

Ultimamente, Lis conseguiu unir suas duas paixões: na pesquisa que lidera, chamada e-Natureza, tem estudado como diferentes imagens de ambientes naturais são processadas e que tipo de reação e benefícios exercem sobre as pessoas. “Sou um ser de interesses múltiplos e quero contribuir para a conservação da natureza e a saúde das pessoas”, diz. Na entrevista a seguir, ela conta como tem feito exatamente isso!

Por Lucy Matos

De onde vem sua paixão pela natureza e pela ciência? 

Embora tenha nascido e crescido em São Paulo, capital, quando era criança ia muito para o litoral, com meus pais. Passava férias na casa da minha tia na Vila Caiçara, brincava com minhas primas. Depois, meus pais construíram uma casa em Peruíbe, então, entre minha infância e adolescência, frequentei muito a região da Reserva Ecológica da Juréia-Itatins. Sou apaixonada pela Mata Atlântica e sempre que posso retorno para fazer observação de aves nesta região. Minha mãe gostava muito de plantas e tenho doces lembranças das inúmeras vezes que fomos ao Parque Estadual da Água Branca. Esse é um dos legados que ela me deixou: esse amor pela natureza. Isso, sem dúvidas, tornou minha infância mais feliz e estabeleceu fortemente o meu vínculo com a natureza.

A pandemia acentuou a percepção de como nossa saúde e a da natureza são interconectadas. Pesquisas ao redor do mundo apontam os benefícios do contato com a natureza para a saúde, e apresentam também argumentos fortíssimos em favor da conservação da natureza. Como a pesquisa que você lidera atua nesse campo?

Foto de Lis Leão, uma mulher branca de cabelos lisos e loiros. Ela sorri para a foto e usa uma jaleco branco do Albert Einstein Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa.

Lis Leão é líder do Grupo de Pesquisa e-Natureza – Estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, Saúde e Bem-estar.

O e-Natureza começou em 2016, com o apoio do CNPq, e hoje é uma linha de pesquisa de caráter interdisciplinar, sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar, que agrega diversos projetos. Inicialmente, validamos e construímos um banco com 403 imagens de natureza que são promotoras de emoções positivas. Essa pesquisa foi publicada recentemente. Como os pacientes internados são privados do contato com ambientes naturais, vislumbramos que seria possível melhorar sua experiência no hospital a partir da contemplação dessas imagens de natureza. Algumas delas foram disponibilizadas também nas salas de descanso da UTI, durante a pandemia, para os profissionais de saúde da nossa instituição, e se mostraram bastante úteis. Estamos conduzindo um ensaio clínico randomizado com pacientes em tratamento quimioterápico, que em breve será publicado. Além disso, temos dois outros projetos: o e-NaturezaVR em que partimos das imagens validadas para produzir realidade imersiva durante procedimento de biópsia de mama em mulheres, pois esse exame é sempre carregado de tensão e ansiedade. E o e-NaturezaST com o qual estamos investigando o engajamento com a natureza de estudantes de enfermagem e medicina. 

Como traduzir esses conhecimentos científicos e comunicá-los para as pessoas? 

Esse é um grande desafio. Todas as estratégias de comunicação que criamos no “Um tempo com e-Natureza”, o site, as redes, procuram exatamente isso: compartilhar, em linguagem comum, as melhores evidências científicas sobre os benefícios que o contato com a natureza propicia. As artes também ajudam. Incrível o trabalho que o Alana tem feito no cinema. Nós teremos também uma exposição fotográfica e minidocumentários. O João Marcos Rosa, da National Geographic, que é um grande parceiro, está conosco nesse projeto. E é importante também que todo esse conhecimento seja traduzido em políticas públicas, para o bem da sociedade.

Os impactos do isolamento social têm se expressado de diversas formas na vida das crianças: sedentarismo, perda de coordenação motora, retrocesso na expressão verbal, dificuldade para dormir, medo do contato social. Ter contato e estabelecer um vínculo com a natureza pode ser restaurador neste momento?

Sedentarismo, ansiedade e outros problemas resultantes do emparedamento das crianças existiam antes da pandemia, e as evidências científicas já apontavam que atividades na natureza podem auxiliar. A pandemia agravou tudo isso e trouxe ainda um impacto adicional, que se traduz em prejuízos para a saúde mental. Temos agora o desafio de encontrar alternativas para propiciar o contato das crianças com a natureza, até que possamos voltar a levá-las para, de fato, usufruírem livremente da natureza e seus benefícios. Quando digo livremente é livremente mesmo, sem protocolos, o que ainda não é possível… uma vez que hoje isso deve ser realizado, seguindo todas as recomendações sanitárias, como o uso de máscara, distanciamento, álcool gel e vacinação dos adultos que as cercam.

Durante a pandemia, as crianças têm passado ainda mais tempo nas telas e longe da natureza. Como (re)estabelecer uma conexão genuína entre as crianças e a natureza?

As mão de uma criança seguram e fazem carinho em um filhote de Tracajá.

Criança com pequeno Tracajá, na Aldeia Kanamary, no Vale do Javari. Foto: Lis Leão

Enquanto não é possível a volta à normalidade, temos incentivado momentos de conexão com a natureza em casa, seja no jardim, ou com plantas em vasos, com os animais de estimação. São contatos muito importantes para minimizar um pouco a situação. O projeto TINis é um grande exemplo disso: possibilita que a criança se aproxime da natureza em qualquer espaço, e aprender a cuidar dela. Toda crise gera oportunidades, como a criação de espaços verdes ao nosso redor: basta estarmos atentos e direcionarmos nossa vontade para fazer isso acontecer.

 

Em outubro, o Albert Einstein promove o 1º Simpósio Internacional de Natureza e Saúde. O interesse dos profissionais da saúde pelos benefícios que a natureza propicia tem crescido?

Essa é uma tendência mundial, que já vinha crescendo e que também se tornou mais urgente a partir da pandemia. As pessoas começaram a discutir mais sobre como tudo isso está interligado. O simpósio está reunindo pesquisadores que vêm se dedicando a essa temática. Teremos a participação da Diretora de Saúde, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Organização Mundial da Saúde. Traremos ciência, com uma visão interdisciplinar, mas também queremos discutir valores. E claro que teremos uma mesa voltada à questão infantil, na qual o Criança e Natureza também estará conosco.

Como abrir caminhos para se pensar com urgência a relação entre o bem-estar humano e a conservação da natureza?

O planeta está pedindo ajuda. A natureza está pedindo ajuda. E não só a biodiversidade corre riscos, mas a humanidade também. A ciência, a educação, a arte abrem caminhos. O amor abre caminhos. Costumo dizer que cada um pode agir no seu metro quadrado e depois vamos somando esses metros quadrados. Todo mundo pode fazer algo, pode trazer o tema para o seu cotidiano. Se você é um professor, você tem uma oportunidade imensa, porque pode influenciar muitos. Se você é artista, também. Mas você pode falar com seus amigos, pode falar com sua família sobre o assunto. Como cientista, meu metro quadrado tem sido o e-Natureza, a sala de aula, mas também a fotografia de vida selvagem nas redes. Existem pessoas e entidades realizando trabalhos inspiradores e dar visibilidade a isso também pode ser um caminho. Claro que apenas o individual não basta, mas é onde tudo começa. Pessoas com o mesmo nível de consciência se agrupam e ganham força para promover as transformações necessárias, cobrar por mudanças e influenciar outras pessoas a se engajarem e agirem, criando um círculo virtuoso. Cada um deve se perguntar: o que eu posso fazer pela natureza, em prol dos seres vivos, humanos e não humanos? Vamos precisar de todo mundo!​ 

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