Novas perspectivas para uma cidade brincante

O professor Bernhard Meyer conta o que são cidades brincantes e como implantou a primeira delas em Griesheim, na Alemenha
Bernhard Meyer, autor do livro Cidades para Brincar e Sentar, conversando com crianças, sentados sobre pedras em uma calçada na Alemanha.

09 Feb Novas perspectivas para uma cidade brincante

O professor emérito Bernhard Meyer implantou a primeira cidade brincante, em Griesheim, Alemanha, projeto ao qual está ligado até hoje. Ele defende que cidades mais amigáveis e participativas para crianças proporcionam melhor qualidade de vida a todos os seus cidadãos.

Por Elke Hoffmann
Tradução Criança e Natureza

O que acontece quando o ponto de vista da criança se torna o foco do planejamento urbano?
Bernhard Meyer (BM): a Cidade “brincante” pode parecer um projeto infantil, mas é, na realidade, um projeto adulto. Os adultos precisam entender que não são capazes de compreender os movimentos das crianças na cidade pelo ponto de vista do mundo adulto. A principal pergunta a ser feita aos urbanistas é: vocês estão dispostos a aprender com as crianças sua forma de encarar a realidade deste mundo? Caso a resposta seja afirmativa, será então válido modificar sua própria percepção. É necessário um deslocamento de perspectiva para a visão que as próprias crianças têm de suas caminhadas até a escola e aos parquinhos, e considerar esta visão específica no planejamento.

Como foi sua atuação em Griesheim?
BM: solicitamos às crianças que marcassem com giz o trajeto das suas caminhadas até a escola e aos seus locais de lazer. Com isto, identificamos quais são seus caminhos até a escola e onde e como elas atravessam as ruas. Também observamos quais os elementos atraem as crianças para esses caminhos. Pode ser uma boca-de-lobo, uma tampa de bueiro, uma escadaria ou um muro baixo de pedra. Esses elementos atuam como verdadeiros ímãs, atraindo ou repelindo as crianças. Porém, atenção: aquilo que atrai ou afasta as crianças não é previsível nem pode ser imitado. Por isso, a cidade brincante nunca poderá ser apenas um projeto de prancheta, ou de paisagismo, ou, ainda, uma ideia vinda somente dos urbanistas. É importante aceitar a percepção das crianças como premissa de planejamento. As crianças ficam muito mais atentas ao se movimentarem animadas pelo trânsito das ruas do que quando se sentem entediadas.

“A cidade brincante não é uma bruxaria intangível”

 

Criança salta sobre uma barra instalada em uma calçada na Alemenha. Ao redor estão algumas árvores e arbustos. Quais resultados foram obtidos através das entrevistas com as crianças?
BM: As respostas podem ser organizadas em três categorias: “aceitar”, “modificar’’, “completar”. “Aceitar” significa: “Do jeito que está, está bom”. Para o planejamento urbano isso significa não interferir naquele ambiente, nos parquinhos ou no conjunto de percursos, mesmo que não sejam considerados favoráveis ou ótimos do ponto de vista técnico. A categoria “modificar” leva ao conceito “Do jeito que está me dá medo ou é monótono”. O desafio dos responsáveis neste caso será iniciar um novo planejamento. Com base nos resultados obtidos, as próprias crianças darão o sinal positivo, de aprovação, ou negativo, de reprovação. “Completar” significa “Dá para ficar do jeito que está, porém seria melhor se isto ou aquilo ainda pudesse ser acrescido”. É comum que sejam apenas detalhes, como, por exemplo, uma segunda árvore que, em conjunto com uma já existente, pudesse se transformar em traves de gol num jogo de futebol. Ou, ainda, modificar placas de sinalização viária mal localizadas, que atrapalham a visão das crianças para o tráfego.

Onde estão os lugares para crianças nas cidades? Como podem ser interligados?
BM: os lugares para crianças são escolas, jardins de infância, instalações esportivas, descampados e matas. Muitas dessas áreas estão localizadas nas periferias das cidades. É por isso que os percursos para estes locais são muito importantes. A cidade brincante é aquela que cria uma malha que viabiliza o acesso a lugares que, até agora, pareciam inacessíveis. Além disso, é preciso proporcionar vivências para as crianças no caminho para esses lugares. Por isso instalamos, nas calçadas das esquinas mais amplas, orientadores de percurso com sugestões de atividades. Até mesmo caminhos estreitos podem transformar-se de maneira relativamente simples: pode-se, por exemplo, pintar as pedras ou o asfalto em intervalos irregulares, criando espaços para brincar de pular ou outras brincadeiras. São percursos que divertem.

Por que o senhor utiliza a expressão “acompanhantes de percursos”, em vez de equipamentos lúdicos ou brinquedos?
BM: um brinquedo típico como um escorregador, por exemplo, tem uma forma de utilização prescrita já conhecida. A criança que sobe pelo escorrega e não pela escada, por princípio usa o brinquedo de forma incorreta. Os “acompanhantes de percursos” têm definição aberta: um rochedo, por exemplo, pode servir para apoiar, escalar, ou correr ao redor. Estacas em diferentes alturas enfileiradas convidam a saltar, sentar ou balançar. Objetos como esses tornam interessante um caminho aparentemente monótono. São convites para ações que podem – ou não – ser aceitas (pelas crianças).

Criança se equilibrando em uma barra de madeira instalada em uma calçada. Ao fundo árvores e arbustos.

No traçado dos percursos, o cruzamento de ruas exigiu grande atenção?
BM: ao cruzarem as ruas, as crianças realmente não seguem a mesma lógica dos roteiros planejados por adultos. Afastamos deliberadamente as crianças de determinados pontos de travessia em cruzamentos perigosos. Em locais menos perigosos foram instalados objetos para atrair as crianças para esses pontos de cruzamento como, por exemplo, um brinquedo que parece uma prancha de surfe. Além disso, criamos o “Pequeno Griesheimer”, um tipo de mascote pintado nas calçadas que indica para as crianças que ali é bom lugar para atravessar a rua. Nas aulas de educação no trânsito, na educação infantil, esta marcação é rotineiramente ensinada.

Houve alguma mudança no trânsito de Griesheim?
BM: com exceção das vias federais, a regras válidas para todas ruas da cidade são velocidade de 30km/h e preferencial da direita antecedendo a esquerda em cruzamentos. Isso, em conjunto com medidas para estruturar as vias de pedestres de forma atrativa e com melhores pontos de travessia, teve como consequência o fato de estarmos há dez anos sem acidentes de trânsito envolvendo crianças.

Uma vez implantado, o planejamento dos percursos se tornam definitivos?
BM: não. É uma situação dinâmica. Surgem novos bairros, ou a composição etária de um bairro é alterada, pois de repente mais famílias com crianças moram ali. É por isso que os percursos devem ser novamente cartografados através de ações juntos com as crianças a cada três ou quatro anos. Se for comprovado que o uso de algum percurso se altera, os objetos lúdicos devem ser realocados. A prática, porém, mostra que isso só se aplica em dois por cento dos lugares brincantes.

Quais foram os custos para transformar Griesheim em cidade brincante?
BM: o projeto completo custou cerca de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), o mesmo que custaria um parquinho infantil novo, de tamanho médio.

Como os adultos se beneficiam destes novos percursos?
BM: gente que trabalha conhece as ruas apenas como um percurso, nunca como um ambiente de lazer. Através dos espaços lúdicos oferecemos às pessoas mais vagarosas, como os idosos, a possibilidade tanto de movimentar-se como de fazer pausas nos seus percursos a pé.

 

Foto do professor Bernhard Meyer, um homem branco de cabelos e barba grisalhos. Ele usa óculos, uma boina bege e uma camisa branca de botões.O professor Bernhard Meyer trabalhou até 2011 na Universidade Evangélica de Darmstadt, na cadeira de Serviço Social/ Pedagogia Social. Como assistente social e pedagogo de nível superior, lecionou Planejamento Social, Trabalho Comunitário, Pedagogia para Grupos Desprivilegiados e Novas Tecnologias. Há mais de 30 anos concentra-se na criação de ambientes para crianças, jovens, deficientes e idosos, promovendo a participação destes no desenvolvimento da cidade. Meyer gerenciou projetos nesse campo nos estados alemães de Hessen, Rheinland-Pfals e Baden-Würrtenberg, onde coordenou inúmeros eventos relacionados ao tema. Vive em Griesheim, é pai e avô de quatro.

 

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