
16 Jun Semeando Futuros
Trabalho com escolas e suas comunidades, no Instituto EcomAmor, e, nessa trajetória, já semeei muitas experiências e tive oportunidade de colher lembranças bem especiais. Entre as muitas personagens que conheci, está a Eliana, uma mulher que compartilha um olhar muito generoso e inspirador para ampliar os plantios, embelezar a escola e seguir aprendendo e compartilhando. É singular observar em sua fala o cuidado grande com a composição da beleza, porque, simplesmente, é preciso encantar as pessoas.
Conheci Eliana na Escola Municipal João Pereira dos Santos, em Senador Canedo, região metropolitana de Goiânia. Quem chega, hoje, ali, e pergunta quem é responsável pela horta, vai receber como resposta o sonoro e afetivo: “Eliana”! Ela é também a porteira do lugar. Ela começou a trabalhar por lá em 2011 e, mesmo antes dali, em outras escolas por onde passou, jardins e hortas eram, para ela, lugares de atenção, cuidado e ornamentação.

Eliana e estudantes da Escola Municipal João Pereira dos Santos
Quando pensamos em hortas escolares, é comum imaginarmos cenas como um grupo de estudantes com suas professoras com as mãos cheias de terra ou com hortaliças recém-colhidas. O que esse cenário geralmente não mostra são as muitas pessoas que ajudam a construir a educação socioambiental dentro do ambiente escolar e que, muitas vezes, não atuam diretamente dentro da sala de aula. Funcionárias responsáveis pela limpeza, zeladoria, portaria, merenda ou secretaria, também são educadoras.
A história da Eliana com a EcomAmor começou em 2019, quando o colégio participou do nosso projeto “Da horta para a merenda”. No início, a diretora direcionava as atividades do projeto para as professoras. “Ela não me colocou diretamente participando, mas eu sempre tive um interesse tremendo, eu e as meninas”, conta Eliana. Com o caminhar do projeto, a diretora observou que as professoras nem sempre tinham tempo para levar os estudantes na horta, enquanto algumas pessoas, como a Eliana, seguiam interessadas. Então, aos poucos, os cuidados com a horta e as atividades do projeto foram assumidos por Eliana e outras funcionárias: Dagma, Cida e Sandra, as meninas da limpeza e da merenda.
Em 2020, com escolas fechadas e casas tendo de se transformar em espaços de aprendizagem, nosso projeto “Seja semente, Plante amor” teve que se adaptar para o espaço virtual, suspendendo os encontros de formação e oficinas que estavam previstos. Por conta dessa adaptação, conseguimos alcançar mais pessoas e lares, aproximando-nos de muitas dessas pessoas educadoras que atuam nos bastidores. Eliana comenta que, apesar da pandemia, 2020 foi um ano muito bom, porque a diretora deixou a horta em suas mãos: “Para mim foi uma experiência ótima, perfeita, aprendi muito. Passei muita coisa para os alunos, mesmo sem muito contato presencial, e fui trazendo mais gente da escola para ajudar. Eu passo o que aprendi para os professores, os professores estudam, passam para os alunos e eu reforço o que eu sei com os alunos”, conta.
Muitas pessoas nos perguntavam sobre as hortas nas escolas e como elas estavam funcionando durante a pandemia. A horta do “João Pereira” foi a mais citada, por ser o maior exemplo de esforço da sua equipe, especialmente da Eliana, em mantê-la ativa. “O pessoal super agradeceu. Os funcionários foram os primeiros a levar algo, tanto para almoçar aqui na escola, quanto para casa. E teve gente que não tinha condição de comprar uma verdura, até uns pezinhos de alface mesmo. Então, a gente plantou e começou a dar cebolinha, couve. Foi gratificante! Chegamos a distribuir mudas para muita gente plantar.”

Eliana cuidando da horta plantada na escola em que trabalha
Mais próximo ao final do ano, Eliana juntou-se a duas professoras para organizar uma aula especial para alunos do 1º ao 4º ano do ensino fundamental. Onde normalmente funciona o estacionamento da escola, ao lado da horta, organizaram um espaço de acolhimento com tatames e lanches, música e contação de histórias. “Usamos luvas, álcool gel, cada um sentado longe. Foi uma aula muito boa, e no final demos sementes para os alunos plantarem em casa.” Nesse dia, Eliana pode compartilhar um tanto do que já aprendeu: “Eu me senti professora, até um pouquinho eu falei! Foi ótimo, as professoras amaram e os pais também. Os pais que vieram gostaram muito e alguns alunos puderam sair um pouquinho de casa também.”
Com 40 anos de idade, dois filhos e mais de dez anos trabalhando em escolas, essa mulher, fundamental para a qualidade de vida de tanta gente, por meio de sua experiência, nos ensina como transformou a horta e o jardim do João Pereira em um grande ninho de aprendizagem, que acolhe quem deseja ensinar, aprender, plantar, partilhar e se encantar. Um lugar ao qual outras pessoas são convidadas a somar e trabalhar coletivamente, em crianças e adolescentes podem experienciar o prazer de colher um alimento que eles mesmo cultivaram e onde, em meio a uma pandemia, encontraram terreno fértil para semear solidariedade. Uma das últimas lições que Eliana me proporcionou diz respeito à esperança com o futuro, a partir das nossas ações atuais. Ao falar sobre as lembranças que guarda consigo sobre o projeto, ela disse: “Eu achei bons os encontros que a gente fazia, principalmente o de receber as sementes. Porque as sementes, são assim um futuro, algo que a gente vai plantar hoje e ver o fruto crescer.”
Nascida em Goiânia, mas com um pé na estrada, já foi professora, artista e mediadora de exposições. Hoje divide seu tempo entre a escrita, o plantio, os livros e a cozinha como Diretora de Invenções do Instituto EcomAmor e agricultora experimental na Chácara Flamboyant.
* A opinião retratada no texto não reflete necessariamente do programa Criança e Natureza