
24 May Brincadeira ajuda famílias do Brasil inteiro a descobrirem a natureza ao seu redor
Pedagoga paulista conta como criou as Caixas da Natureza, um projeto simples que conecta famílias de diferentes lugares do país, promovendo um intercâmbio de materiais dos ambientes de cada cidade.
24/05/2017
Por Mariana Sgarioni
Uma família que mora em Rio Branco, no Acre, recebeu, certa vez, uma encomenda especial vinda de Diadema, na Grande São Paulo. Era uma caixa cuidadosamente preparada por outra família, até então desconhecida. Dentro, havia vários itens que foram recolhidos a mais de dois mil quilômetros dali, na região dos remetentes: folhas, pedaços de árvore, flores. E uma garrafinha com um pouco de areia da praia e água do mar, vindas de Mongaguá, litoral paulista. Neste momento, os olhos da mãe acreana se encheram de lágrimas: coincidentemente, foi justo nessa praia que ela havia passado sua infância, quem diria.
As Caixas da Natureza tem como objetivo mais do que compartilhar a natureza que as crianças vivem e experimentam no seu dia a dia. A ideia é fazer que as famílias se reúnam, saiam de casa, e coletem material do seu entorno. Que se apropriem do espaço onde vivem. Que vejam a natureza ao seu redor, muitas vezes escondida. E, no fim, que tenham momentos divertidos juntos.
Paulista de São Bernardo do Campo, Ana Carolina é professora de educação infantil. Especializou-se em educação lúdica e trabalhou em escolas da floresta na Inglaterra. Na volta, criou o projeto Ser Criança é Natural, em que promove passeios com crianças na natureza, cursos virtuais e encontros. Desde o segundo semestre do ano passado, ela também comanda o Ser Bebê é Natural, que promove atividades ao ar livre voltadas para bebês de até 20 meses. “Não tem idade mínima para estar na natureza. Simplesmente porque o ser humano é a própria natureza”, resume.
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Como você criou as Caixas da Natureza?
Recebemos mensagens do Brasil inteiro de famílias interessadas em nossos passeios, que são trilhas em parques da cidade de São Paulo. Infelizmente não podemos ir pessoalmente a tantos lugares, então pensamos em um jeito de viabilizar isso. Sabemos que as famílias não precisam da gente para estar um parque – mas precisam de incentivo e repertório. Nossa referência para criar as caixas foi uma brincadeira simples, que fazemos com as crianças no início de cada trilha: distribuímos saquinhos vazios e elas vão coletando coisas do chão durante todo o percurso. Além de focar as crianças, este jogo faz que elas pesquisem, procurem, cavem. No final, elas adoram mostrar o que acharam. Pensamos então em oferecer uma caixa vazia e pedir para que as famílias saíssem de casa coletando coisas. Esta é uma forma, em primeiro lugar, de mostrar que tem natureza em seu entorno. É um reencontro com seus espaços.
As famílias sabem para onde vão suas caixas?
Não. Quando se inscrevem, recebem um manual com informações. Somos nós que sorteamos os endereços e conectamos regiões diferentes e, se possível, com crianças de idades próximas. O importante desse trabalho é que as famílias saibam que não se trata só de sair coletando e mandar. É importante se apropriar da natureza, experimentar, estudar o que vai contar sobre este material. Então tem muita gente que também manda mapas, fotos, a história da região que mora. As famílias dizem que a atividade faz que tenham um tempo juntos, sem correria, celular, computador. O mais importante é o movimento de sair de casa, os passeios, e não as caixas em si. É impressionante ver como as percepções sobre o espaço mudam.
Qual a importância da família inteira estar envolvida?
A sujeira incomoda os pais?
Muito. Por isso é importante a conscientização familiar, a educação. Se a escola, por exemplo, mandar a criança impecável para casa todos os dias, os pais vão entender que isso é importante. Ou seja: devem preferir o cuidado com a higiene à experiência. Tinta, terra e frutas não são sujeira. Se a roupa vier manchada, qual o problema? O que é sujeira para você? Ora, o uniforme traz marcas de experiência. E devem ser uma boa oportunidade para uma conversa com os filhos: “Me conta o que são estas marcas!”
Por isso é tão difícil trazer a natureza para dentro das escolas.
Existe um movimento geral de higienização escolar. Tudo tem que estar perfeitamente limpo. Trazer a natureza para dentro da escola dá trabalho: é barro no chão, água, folhas, bagunça, poeira. O pessoal da limpeza reclama. Então tem que pensar, em primeiro lugar, que todo mundo dentro da escola é um educador, não somente o professor. o porteiro, o faxineiro, o copeiro, o inspetor. Todo mundo tem que entender por que as coisas estão acontecendo, caso contrário a higienização toma conta mesmo. Trabalhei numa escola que tinha um parque lindo. Um dia, cimentaram tudo e jogaram pedrinhas de paralelepípedo em cima da grama. Depois aquilo virou grama sintética. E, para finalizar, tiraram até as pedrinhas que as crianças adoravam. Resultado: as crianças simplesmente pararam de brincar. Mas ficou tudo limpinho.
Esta questão com os bebês talvez seja ainda mais forte. Como são os encontros que você promove de bebês na natureza?
O que os adultos devem fazer então?
Estejam presentes e atentos. Mas deixem as crianças livres para explorar seus movimentos. Deixem que elas caiam para que aprendam a colocar a mão na frente (claro que não é para machucar de verdade!). Elas precisam conhecer seus corpos para evitarem quedas. Portanto, não interfiram. Apenas fiquem por perto.
Para saber mais:
OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS: FAMÍLIAS VIAJAM JUNTAS E SE UNEM PARA CUIDAR DAS CRIANÇAS
DESAFIOS DE COMO APROXIMAR AS CRIANÇAS DA NATUREZA NAS CIDADES, COM IRENE QUINTÁNS