
12 Jul Revolução na hora do recreio
A fundação Patio Vivo, no Chile, transforma os pátios escolares em ferramentas pedagógicas. A ideia é incentivar as crianças a brincar, conviver e curtir a natureza
As portas das salas de aula se abrem, um bando de crianças sai rumo ao pátio, desenfreadamente, e o que acontece é…? “Que muitas ficam sozinhas, olhando seus celulares. Outro tanto joga bola na quadra e há uma correria considerável”, diz Ángela Ibáñez, mestre em arquitetura da paisagem. Foi pensando que esses lugares e esses momentos poderiam ser melhor aproveitados que nasceu a Patio Vivo, no Chile, da qual ela é cofundadora e diretora executiva. Hoje, a fundação trabalha com as escolas para transformar os pátios em ferramentas pedagógicas, que possam promover uma melhor convivência, hábitos de vida mais saudáveis e mais contato com a natureza.
Eu e mais duas colegas trabalhávamos com educação e percebíamos que havia nas escolas muitos espaços mal aproveitados, que não despertavam a curiosidade das crianças. Achávamos uma pena ter um monte de crianças querendo brincar e pátios mal traçados, que não as provocavam. De início, propusemos às escolas fazer hortas e incluí-las como parte do projeto pedagógico. Mas isso não se mostrou viável. Existe uma ideia um tanto romantizada, de que é só plantar e não há mais trabalho. E as escolas no Chile são grandes, com muitos alunos e poucos professores. Claro que seria uma incrível experiência de aprendizado, mas talvez seja preciso primeiro familiarizar as crianças com a natureza. Elas precisam brincar com a natureza e na natureza para, depois, cuidar dela. Então decidimos investir nos pátios, que eram espaços que já existiam e seriam utilizados de todo modo. Uma pesquisa feita pelo governo, em 2014, apontou que 33% das crianças não se sentiam seguras durante o recreio no espaço escolar. Temos, também, um terço das crianças entre 5 e 17 anos acima do peso ou obesas. Por isso, os pátios eram uma oportunidade fantástica para trabalhar relacionamentos, movimento, hábitos de saúde e experiências pedagógicas diferentes daquelas experimentadas em sala de aula.
Quando vocês observavam os recreios, o que notavam exatamente?
Víamos muitos pisos planos, muito cimento e dinâmicas bastante caóticas, com as crianças correndo para todo lado. Muitas delas ficavam nas quadras, jogando futebol. Mas como ficam as que não gostam desse esporte, ou que são mais contemplativas? Por isso a proposta foi criar locais com desafios e cantos diferentes, para acolher as várias vontades, a diversidade das crianças. Propomos um espaço polifuncional, no qual as crianças possam inventar suas próprias brincadeiras, e onde haja espaços para conviver, para se esconder, para subir ou que desafiem a parte motora.
A comunidade escolar participa do desenho?
Depende da escola e do tempo de projeto. Em algumas, as crianças, o corpo diretivo e os professores participam ativamente. Em outras, falamos muito com os professores durante o processo. E em todas, antes de começar, observamos a dinâmica do pátio, que brincadeiras se dão, como acontecem. Uma preocupação que temos é a de eliminar a noção de que a sala de aula é o local de aprendizado e o pátio o local do caos. Trabalhamos para gerar consciência de que o pátio é um espaço educativo também. O retorno que temos alcançado é bastante positivo: tanto os professores se sentem estimulados a propor novos formatos de aulas, quanto as crianças dizem se sentir mais acolhidas após as intervenções.
O que vocês mudam?
Como as escolas lidam com a questão da segurança?
Existe, por aqui, uma preocupação excessiva com relação à segurança das crianças. Acho que ela é fruto de uma desconexão com a própria infância. Tentamos, sempre, reconectar as equipes com suas infâncias: do que brincavam? Como era? Então os adultos se lembram e percebem que as crianças não são suicidas em potencial, que é possível confiar nelas, que conseguem se autorregular quando o espaço propõe desafios. É curioso porque, hoje, mesmo em pátios planos e sem nada, as crianças por vezes tropeçam nelas mesmas e se machucam. Ou seja, a falta de estímulo ao corpo e a falta de exercício também as leva a terem menos agilidade e destreza.
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