Uma praça para chamar de sua

06 Jul Uma praça para chamar de sua

Como a fundação Mi Parque, do Chile, trabalha para deixar mais igualitários – e mais verdes – os bairros e as escolas de Santiago

Max Correa é o diretor de projetos da fundação Mi Parque, no Chile. Há dez anos se dedicam a criar espaços de interação e recreação ao ar livre, com participação cidadã. Esses espaços verdes, feitos para o convívio e lazer, podem surgir nos bairros, na forma de parques e praças, ou dentro das escolas, como pátios mais convidativos e menos cimentados. A ideia é melhorar a qualidade de vida em áreas vulneráveis. “A iniciativa surgiu quando um grupo de arquitetos foi avaliar locais para a construção de moradias e percebeu como era desigual a distribuição de áreas verdes na cidade de Santiago”, conta. De lá para cá, Mi Parque já implantou cerca de 300 projetos e hoje tem uma equipe de 30 pessoas trabalhando. Abaixo, Max conta como trilharam esse caminho – e o que aprenderam com ele.

Como funciona o modelo da fundação Mi Parque?

Santiago tinha grandes áreas de moradia com terrenos baldios no meio que, em vez de praças, viravam depósitos de lixo, locais inseguros. E também algumas praças abandonadas, com brinquedos quebrados, lixo e sujeira. Nós desenhamos e construímos áreas de convivência, com a participação dos moradores do entorno. Essas obras são financiadas por empresas que recebem incentivo fiscal por meio de uma lei federal (elas abatem de seus impostos 50% do que foi investido) e temos convênios firmados com o município, que ajuda com iluminação, água etc. O município também se ocupa da manutenção desses espaços criados: faz limpeza, poda, consertos, reposição de mobiliário. Desse modo, as intervenções se tornam mais eficazes, sustentáveis e duradouras.

9_Escalera Buenaventura Argandoña_Antes y Después_Durante la construcción


Como a comunidade participa?

Trabalhamos com quatro oficinas de desenho participativo. A primeira procura conhecer e estabelecer laços de confiança com a comunidade local e levantar os sonhos comuns. A segunda trata do terreno em si, faz um diagnóstico de usos atuais, usos possíveis, pontos positivos e negativos. Essas oficinas são coordenadas por um arquiteto junto com um assistente social. A terceira é a de estratégia de desenho, em que um primeiro projeto, baseado nas informações recolhidas, é apresentado à comunidade para ser aprofundado: o que vai ser instalado? Onde? Em que quantidade? A última oficina é para validar o projeto final e organizar os mutirões de construção. Neles, participam moradores, voluntários das empresas patrocinadoras e de outras procedências. O processo todo dura entre dois e três meses. No fim, procuramos deixar um comitê de moradores organizado para se encarregar da praça.

O que as pessoas pedem, o que escolhem?

Durante muito tempo nos baseamos em fazer o diagnóstico e a escolha de elementos. Hoje, focamos mais nas ações que potencialmente podem ocorrer nos espaços. Mostramos fotos de situações e de usos possíveis para levar um maior repertório às pessoas. E pedimos que nos expliquem por que desejam determinado equipamento, o que imaginam que acontecerá com ele. A conversa caminha a partir daí.

36730196_2507811112594210_1022573735414071296_oComo escolhem os locais e qual o resultado depois da intervenção?

Os espaços são procurados junto com a prefeitura. A ideia é melhorar a qualidade de vida em áreas vulneráveis, construindo espaços mais verdes e interativos. Os resultados que temos colhido são ótimos. Fizemos uma análise, comparando terrenos que ficaram como estavam a outros nos quais implantamos praças e parques. A pesquisa foi realizada junto com um laboratório de medição de programas sociais. Nesse estudo, em que alguns terrenos serviram como grupo de controle, descartando qualquer outra variável que não a nossa intervenção, pudemos levantar dados sobre o uso do local, a apropriação por parte da comunidade e a percepção de segurança. O uso dos espaços, por exemplo, aumentou em 76% depois da intervenção. A percepção de segurança aumentou em 17%. Foram feitas também entrevistas com os vizinhos, quatro meses antes e quatro meses depois da intervenção.

O que as pessoas relatam?

Há pouca bibliografia sobre como uma área verde impacta a qualidade de vida das pessoas. Sabemos que as árvores melhoram o ar mas, com a pesquisa e alguns depoimentos, pudemos notar a grande diferença que ter uma praça por perto faz. Uma senhora nos contou que caminhava duas quadras a mais, todos os dias, ao ir e voltar do trabalho, só para não passar no terreno baldio que agora virou praça, porque ela tinha medo. Ela também sentia vergonha de chamar seus parentes para irem visitá-la em casa. Depois da intervenção, ela está orgulhosa do local onde mora e ganhou um lugar de lazer diário.

0_Plaza Esperanza, San Bernardo_Antes y Después_1 año y medio después

Você acha que o futuro das cidades aponta para uma maior quantidade de áreas verdes?

Eu sinto que a percepção está mudando. Antigamente, se falava muito sobre moradia e pouca importância era dada às áreas verdes. Agora, conseguimos demonstrar com números e testemunhos a diferença que isso faz. Em nossos projetos, que sempre têm selo verde, utilizamos plantas nativas e deixamos uma área de parque. Hoje, o governo trabalha junto com a fundação e as empresas entendem a importância de patrocinar os projetos. Temos uma equipe de 30 pessoas, dividida nas áreas de investigação e desenvolvimento de projetos, marketing, finanças e comunicação. Conseguimos conscientizar a sociedade de que é importante não só ter áreas de conservação ou parques, mas pequenas áreas, acessíveis em cada território, com verde. Porque isso muda a vida cotidiana, melhora o humor das pessoas, a forma como enxergam seu bairro, como se relacionam com os outros, muda seus hábitos e as deixa mais saudáveis. Isso é sustentável, eficaz e tem efeitos duradouros.

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