“AS PESSOAS NO CORAÇÃO DA MATA E A MATA NO CORAÇÃO DAS PESSOAS”

29 jun “AS PESSOAS NO CORAÇÃO DA MATA E A MATA NO CORAÇÃO DAS PESSOAS”

Coordenadora do WWF e uma das criadoras do movimento Borandá conta de que maneira podemos promover a cultura da vida ao ar livre e mostrar o valor da natureza para a sociedade.

Por Mariana Sgarioni

29/06/2017

 

A paulista Anna Carolina Lobo, 35, viaja o Brasil – e o mundo – inteiro para trabalhar e vencer um desafio: fazer que as matas do Brasil sejam parte da vida das pessoas. “Moro mais dentro de um avião do que na minha casa”, brinca.

Equipe BorandáCoordenadora do Programa Mata Atlântica e Marinho do WWF, Anna Carolina é uma das responsáveis pelo movimento Borandá, um projeto construído em conjunto com vários setores da sociedade que pretende convidar a população a conhecer melhor a Mata Atlântica por meio de atividades ao ar livre. O Borandá – neologismo que une os termos “bora” e “andar” – interliga diversas áreas ambientais protegidas por meio de uma trilha.O percurso terá mais de 2 mil quilômetros de caminhos interligados, passando por 70 Unidades de Conservação (UCs) públicas e privadas ao longo de quatro estados – Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. No último dia 20 de junho, Anna Carolina falou sobre o movimento durante o II Seminário Criança e Natureza, cujo tema foi  “Desemparedar a Infância”, selando a parceria do Borandá com o programa Criança e Natureza. “Infelizmente, as Unidades de Conservação no Brasil foram criadas para proteger a área excluindo as pessoas. Precisamos mudar isso”, diz.

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Por que você teve a idéia de um movimento como o Borandá?

Há cerca de uns 4 anos, conheci uma incubadora de movimentos sociais que trabalha projetos no mundo inteiro. Fiquei imaginando por que não fazer um movimento social pela Mata Atlântica – quantos desafios temos no bioma? Um monte. Na cidade, por exemplo, ninguém lembra que o Parque Trianon, na avenida Paulista, tem mata nativa. Ou quem vai ao Cristo Redentor não tem nem ideia de como aquela floresta ao redor foi formada. Então passei a pensar neste movimento social. Primeiro, fizemos uma pesquisa nas principais capitais do Brasil para entender qual a relação das pessoas com o bioma, o que atrai, o que repele.

 

BorandáQual o resultado dessa pesquisa?

Primeiro descobrimos que 87% dos brasileiros vivem em centros urbanos. E que grande parte dos pesquisados gostariam de ter mais contato com a natureza, mas não conseguem. Ou porque não sabem onde ela está, ou porque acham que natureza é para atleta, ou porque têm medo, ou porque acham que lá tem cobra, ou porque não sabem andar lá. A partir daí pensamos então quais seriam os temas para trazer essas pessoas para a natureza. Criamos o slogan: “Um movimento para trazer a Mata Atlântica para a vida das pessoas e as pessoas para o coração da mata”. para que crianças, famílias, escolas e voluntários criar o sentimento de pertencimento, o entendimento do valor da natureza e por que a mata é tão importante. Começamos campanhas nas redes sociais e em todo o território do bioma.


Mas existem também pessoas mais engajadas.

Sim, claro. Entretanto, identificamos nesta pesquisa que os engajados são pouquíssimos. Eu brinco que cabem dentro de um caminhãozinho. Dividimos os públicos em quatro partes, dos mais engajados aos menos. Os que vão a parques com alguma frequência, os que já ouviram falar mas não sabem como chegar e precisam de estímulos, e os que nunca que ouviram falar, aqueles da cultura do ar condicionado, ligados a atividades indoor, como shopping, cinema, etc. A partir dessa segmentação, criamos diversas campanhas com mensagens para promover a cultura da vida ao ar livre. E há diversos mobilizadores no Rio, em São Paulo, em Santa Catarina e no Paraná, que estão ajudando a criar grupos de voluntários para trabalhar nos parques, além de organizar esses grupos. Esta é, inclusive, nossa parceria agora com o Grupo Natureza em Família.


As pessoas, em geral, valorizam aquilo com que têm algum contato. Como é o acesso do público às Unidades de Conservação? O brasileiro as frequenta?

Infelizmente não. A primeira Unidade de Conservação no Brasil foi criada há 80 anos. Desde aquela época até hoje, estas unidades foram pensadas apenas para a proteção do ambiente natural – o que é muito importante, claro. Entretanto, suas ações ocorreram de forma excludente, enxergando o ser humano como foco de ameaças. Portanto, qualquer contato humano nessas áreas, muitas vezes até mesmo caminhar em uma trilha, é proibido por gerar impacto. O governo brasileiro prioriza proteção, pesquisa, monitoramento, conservação e diversas outras coisas. Por último vem o uso público. São planos engessados historicamente. Portanto, não é de se estranhar que a população não frequente e desconheça as UCs. Estamos tentando mudar isso, mas é um processo lento.


Há exemplos de outros planos, em outros países?

Com certeza. Para não citar só os Estados Unidos, posso falar da África. Há países que contam com planos enxutos que buscam a autossustentabilidade, além de trabalhar o uso destas áreas para o turismo. Tudo inclui pessoas, diferentemente daqui, onde temos um histórico de exclusão. Para se ter uma idéia, no Brasil, muitos parques ainda não têm nem regularização, nem indenização para os proprietários da área, nada. As áreas de UC são necessárias – mas não dá para excluir as pessoas dessa maneira.

15123449_1141028145933004_1581727356665730154_oO que podemos fazer para mudar esse cenário?

É importante pressionar para mudar as políticas públicas. Temos, claro, que levar as pessoas para a natureza, trabalhar bastante conteúdo, mas tudo pensando em formar cidadãos para pressionar por mais políticas públicas para uso público. Temos hoje boa parte das bancadas no Congresso Nacional formadas por ruralistas indo contra as unidades de conservação. Então precisamos pensar em quem estamos votando. Diferentemente do que dizem os ruralistas, a UC não impede o desenvolvimento do país, nem a produção de alimento que o brasileiro come. Há muito alimento sendo exportado, além de perdido no transporte, sem contar o desperdício no prato. Para mudarmos este cenário, precisamos qualificar o debate. E é isso que estamos plantando com o Borandá.

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