Como a medicina pode contribuir para infâncias mais ricas em natureza?

08 out Como a medicina pode contribuir para infâncias mais ricas em natureza?

_MG_0912Luiza Menezes é médica pediatra, pós-graduada em saúde mental infantil e também é mãe. Ela mantém um perfil no Instagram, o @infancia_fora_da_caixa, no qual fala sobre pediatria baseada em evidências científicas e maternidade baseada em vivência afetiva. Nesta entrevista exclusiva, Luiza destaca os benefícios de uma infância rica em natureza para as crianças e para toda a família. “É importante conscientizar a família sobre os benefícios desse contato, como a diminuição da ansiedade e níveis de estresse, a melhora na circulação sanguínea e na concentração, o aumento de endorfina, responsável pela sensação de bem-estar, entre outros ganhos. Mas é importante que o pediatra compreenda que, se a natureza não faz parte da rotina daquela família, não será apenas o discurso que irá convertê-la. Será necessária uma orientação mais específica, como determinar atividades ao ar livre em formato de prescrição médica, com direito a posologia e tudo”.

Boa leitura e, seguindo as recomendações dos órgãos responsáveis e dos profissionais de saúde, aproveite os momentos ao ar livre!  

Raika Julie Moisés

Ainda que estudos comprovem os benefícios do contato com a natureza para o desenvolvimento pleno na infância, nem todas as famílias têm acesso a essa informação. Você, como médica pediatra, inclui em suas consultas esse aconselhamento? Como abordar o assunto e (re)estabelecer esse elo (natureza e infância) de forma permanente?

Sim. Na minha prática como pediatra faço sempre aconselhamento de contato com a natureza. Acredito que é algo que deve ser incentivado sempre, devido aos benefícios físicos, psicológicos e emocionais que a vivência propicia. E acredito que é nessa orientação precoce e rotineira que podemos resgatar o elo com a natureza, que a sociedade moderna costuma esquecer, de forma mais duradoura.

Quais indicativos apontam um possível déficit de natureza no cotidiano das crianças e suas famílias?

Estudos mostram que crianças em privação da natureza podem apresentar irritabilidade, desânimo, agressividade, diminuição na capacidade de concentração, além de sinais e sintomas indiretos, como sedentarismo, obesidade e até depressão.

Considerando as múltiplas realidades, em geral, como as famílias reagem à constatação de umIMG_20200301_144141284 déficit de natureza em seus cotidianos, e como recebem uma prescrição médica com essa recomendação?

Criança que tem déficit de natureza, em geral, tem pais com o mesmo problema. É importante conscientizar toda a família sobre os benefícios desse contato, como a diminuição da ansiedade e níveis de estresse, a melhora na circulação sanguínea e na concentração, o aumento de endorfina, responsável pela sensação de bem-estar, entre outros ganhos. Mas é importante que o pediatra compreenda que, se a natureza não faz parte da rotina daquela família, não será apenas o discurso que irá convertê-la. Será necessária uma orientação mais específica, como determinar atividades ao ar livre em formato de prescrição médica, com direito a posologia e tudo.

A pandemia fez com que muitas situações envolvendo a infância ganhassem maior destaque e atenção, como é o caso do confinamento das crianças, o excesso de uso de telas, as práticas escolares emparedadas, entre outros temas. Como a pediatria acompanha e trata essas situações?

A pediatria acompanha com muita preocupação a situação das crianças diante da Pandemia. Um estudo publicado no The Journal of Pediatrics evidenciou que 36% das crianças vêm apresentando aumento na dependência parental, 32% desatenção, 29% estão mais preocupadas, 21% estão com alterações no sono, 14% tendo pesadelos, 18% falta de apetite, 13% agitação motora. Esses achados são multifatoriais. Estão associados ao confinamento, à restrita exposição ao sol e à natureza, ao aumento do uso de mídias digitais, à quebra da rotina e ao comprometimento de pilares importantes no desenvolvimento, como sensação de pertencimento (ao bairro, ao parque, à escola) e manutenção de vínculos afetivos externos (colegas, professores, etc), além das angústias e estresses parentais que inevitavelmente atingem as crianças. A pediatria trata essa situação com orientação para os pais e responsáveis Se está difícil para os adultos, imagine para a criança, cuja experiência de confinamento corresponde à metade, ⅓, 25% de sua vida? É muito tempo relativamente perdido.

Há muitos relatos de familiares, médicos e das próprias crianças sobre uma piora da saúde mental durante o isolamento social. Como lidar com o sofrimento e até mesmo o adoecimento das crianças? O contato de forma segura com a natureza, como o brincar ao ar livre, mantendo o distanciamento, deve ser considerado como uma forma de tratamento?

Uma vez que os pais foram conscientizados sobre a condição de estresse a que seus filhos estão expostos, devem lidar com o sofrimento e adoecimento dessas crianças com acolhimento, validando seus sentimentos, transmitindo segurança, otimismo e propondo estratégias de respiro, como o contato com a natureza de forma controlada. Passeios em parques e ambientes abertos, como jardins, ou construir uma horta em casa e aguar as plantas do prédio são atividades terapêuticas que devem ser incentivadas.

IMG_20200621_161534801A medicina, em especial a pediatria, por também estar bem próxima das famílias, pode contribuir para que tenhamos infâncias mais ricas em natureza? De que forma?

Sem dúvida nós, pediatras, podemos, sim, contribuir na construção de infâncias com mais contato com a natureza. E mais do que isso. A partir disso, promover um futuro mais saudável para toda a sociedade. Pois estudos mostram que crianças que crescem em contato com a natureza apresentam menos problemas de saúde mental na vida adulta, além de ser uma prevenção ao sedentarismo e à obesidade no futuro. Nós, pediatras, devemos nos conscientizar dos benefícios do contato com a natureza e trazer essa orientação rotineira à nossa prática clínica e pessoal.  Confesso que, com a pandemia e o consequente confinamento, estou otimista de que a natureza (e todas as suas janelas de oportunidades) voltará a ser valorizada – e vivenciada – de forma mais frequente num futuro breve. Já começo a sentir pequenas mudanças nesse sentido. Sairemos da pandemia sedentos pela liberdade que a natureza propícia.

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