O futuro em nossas mãos

Clara Ramos, do Famílias pelo Clima, conta como mães, pais e familiares podem ajudar as crianças e jovens na mobilização por um futuro climático justo e seguro.
Velas iluminam cartaz com desenho do planeta e a frase:

27 abr O futuro em nossas mãos

A produtora audiovisual Clara Ramos, mãe da Cora, de 12 anos, e da Irene, de 9 anos, é cofundadora do grupo Famílias pelo Clima. Formado por pais, mães, tios, tias e outros familiares, o grupo se uniu aos jovens do movimento internacional Fridays for Future, criado pela ativista sueca Greta Thunberg. “Em 2018, quando a Greta começou as Greves pelo Clima, deixando de ir à escola às sextas-feiras para se manifestar em frente ao parlamento de sua cidade, Estocolmo, e cobrar ações urgentes dos governos para lidar com a crise climática, ela começou um movimento que me sensibilizou. Ver crianças e jovens indo para a rua para pedir soluções para as mudanças que estão ocorrendo na Terra, fazendo um trabalho que devia ser dos adultos, foi um convite a ação”, conta Clara. 

O Famílias pelo Clima nasceu conectado ao movimento global Parents For Future, para agir junto, apoiar e dar suporte às crianças e jovens ativistas. “Quando se é mãe e pai, naturalmente se tem esse olhar para o futuro dos filhos. Vejo isso ao redor, em nossa rede com famílias de diversos países. É um sentimento de compromisso moral com as próximas gerações. Precisamos promover ações coletivas para alcançar mudanças políticas e sociais que garantam às crianças o direito a um futuro seguro”, diz.

Por Lucy Matos

Qual é o papel das famílias nas ações por um futuro climático seguro?

parents for future

Clara Ramos (na segunda foto da primeira fileira) em campanha do Famílias pelo Clima

O movimento Famílias pelo Clima é uma fagulha para despertar consciência, engajamento e compromisso afetivo com essa causa. Quando falamos de pais para pais, de pessoas comuns para pessoas comuns, é mais fácil se conectar e fazer esse chamado, com o senso de urgência necessário. Temos o papel de mostrar que cada família – mãe, pai, tio, tia, avó – pode fazer diferença no seu entorno. Um modelo em que pequenos núcleos locais, agindo e se articulando, criam uma grande rede. Para as crianças, as famílias representam um lugar de acolhimento, escuta e diálogo. É de fato triste e assustador pensar que a temperatura da Terra está aumentando devido às ações humanas e que haverá várias consequências graves por causa disso, mas esses sentimentos não podem ser paralisantes. Tem de ficar claro para as crianças que estamos do lado delas: a mensagem precisa ser sobre o que podemos fazer, e como vamos fazer isso juntos. Para que elas possam enxergar na gente o comprometimento com a garantia de um futuro possível. Isso é tranquilizador.

Como e quando falar sobre a crise do clima com as crianças? Como você iniciou essa conversa com suas filhas?

As pessoas têm muito receio de abordar esse tema. Temem que as crianças fiquem assustadas ou deprimidas. Como mãe, é muito angustiante pensar no mundo que estou entregando para as minhas filhas, nas dificuldades que as crianças das próximas gerações vão enfrentar. Aqui em casa, o interesse pelo tema veio do contexto familiar. É algo importante para mim, e naturalmente passou a ser importante e do interesse das meninas também. Lembro que a primeira reação da Irene ao assistir a um documentário sobre o futuro da Terra foi perguntar: “O que a gente pode fazer para mudar isso?”. Não existe criança negacionista. A criança se implica, quer entender, e tem um desejo poderoso de mudança. Crianças dessa faixa etária podem entrar em contato com o tema por meio de filmes, séries, livros, nos quais elas possam ter um bom contexto. A série Nosso Planeta, por exemplo, é super visual e, por meio da observação dos animais, possibilita que as crianças entendam que existe um desequilíbrio acontecendo.

Precisamos apresentar a crise climática de forma transparente, mas também temos de estimular um movimento de participação, mostrando o papel que cada um pode ter na sociedade. Com as minhas filhas, busco sempre tratar o tema com um olhar de esperança e reflexão. Hoje sinto elas super sintonizadas, preocupadas e com uma visão realista da situação, mas não paralisadas, angustiadas ou deprimidas, e acredito que isso tem muito a ver com passar para elas a sensação de acolhimento, de que estamos nessa luta juntas. As duas já me perguntaram algumas vezes: “você acha que a gente vai conseguir virar esse jogo?”. Sempre respondo que sim, porque acredito realmente no fazer coletivo. Quando a gente se engaja nesse movimento – apresentando soluções, propondo ações, trocando ideias – deixa de ser um caminho de depressão e ansiedade para se tornar um caminho de empoderamento, de mudança e de reflexão.

O que é essencial na escuta das crianças e como fazer isso na prática?

Salve o planeta

Crianças e Jovens preparados para a Greve Global pelo Clima, em 2019

Ser capaz de ouvir e aprender com elas é super importante. Na Greve pelo Clima que realizamos em setembro de 2019, havia crianças bem pequenas – menores de 5 anos – que pediram a palavra e deram recados potentes. Houve falas super políticas e reflexivas. É incrível como as crianças têm um entendimento muito maior do que imaginamos. Elas têm uma prontidão e uma abertura para responder aos desafios. Elas sabem muito e têm muito a dizer. Várias vezes perguntamos “o que você sabe sobre esse tema?” e a princípio elas respondem que não sabem nada, mas conforme a conversa vai avançando, elas puxam um monte de coisas que já ouviram e conectaram com o tema. É impressionante como, no momento em que a criança vai ganhando esse lugar de entendimento, assume uma postura ativa de comunicação e participação. 

Em um projeto interdisciplinar proposto na escola das minhas filhas, as crianças trouxeram o tema de mudanças climáticas e todas as turmas criaram trabalhos, que foram desde vídeos em animação, dizendo as coisas que a gente faz que não são boas para o planeta e as que são, até maquetes mostrando ciclos de geração de energia, tudo isso feito por crianças de 8 a 10 anos. De repente, elas estão compartilhando conhecimento e se sentindo muito felizes de ensinar e pensar junto. Esses são momentos poderosos para a vida de uma criança, nos quais ela se entende como alguém que é ouvido e que tem o poder de questionar, trocar conhecimento e mudar o mundo em que vive. 

O Famílias pelo clima está processando o Governo do Estado de São Paulo por descumprir a Política Estadual de Mudanças Climáticas, questionando o Programa IncentivAuto, criado no final de 2019. Como se articularam para isso e o que vocês esperam?

O programa IncentivAuto é uma política de incentivo à indústria automotiva, que prevê investimento público de no mínimo R$ 1 bilhão por projeto, mas não deixa claro os beneficiários e nem quais serão as contrapartidas ambientais. Nós pedimos informações sobre os projetos inscritos no programa, que foram sistematicamente negadas pelo governo. Então movemos um processo para obter acesso aos documentos. Recebemos uma primeira decisão favorável no final de 2020, mas o governo está recorrendo. Mesmo assim, em algum momento, serão obrigados a liberar os documentos para conhecimento público. Se for confirmado que não existe nenhuma contrapartida ambiental, o próximo passo é pedir a anulação do programa.

Desde o começo do Famílias pelo Clima, tínhamos a vontade de usar processos jurídicos como estratégia. Inicialmente, o grupo internacional de pais ajudou muito, indicando organizações e advogados que apoiam esse tipo de ação. Então, em 2019, participamos de um grupo de discussão na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) sobre o programa IncentivAuto e, a partir daí, começamos a nos articular para intervir. Foi um grande exercício, e pensamos que, para além do resultado, o processo é super importante. Essa sensação de poder fazer alguma coisa é a que gostaríamos que as pessoas tivessem. Se algo que você está vendo não faz sentido, não deixe passar: interfira. O caminho do litígio é um jeito de participar de uma maneira mais efetiva na formação das políticas públicas das nossas cidades.

Como ir além da ação individual e incentivar iniciativas políticas coletivas?

greve pelo clima

Clara Ramos discursando na Greve pelo Clima de 2019, em São Paulo

Não tem como qualquer ação de mudança, na velocidade que é necessária, não ser uma ação política. É preciso entender que o voto é um instrumento muito poderoso. Como eleitores e cidadãos, é nosso dever colocar essa pauta como uma prioridade no momento de escolher e apoiar um candidato. E claro, se engajar e sair da bolha é um grande passo para começar a trocar ideias e informações. Existem muitas iniciativas em que podemos nos engajar, assim como temos visto crianças e jovens super comprometidos com encontrar soluções. Quando estamos conectados com essa rede de movimentos pelo clima, nos encontramos em um lugar de acolhimento e empoderamento para a tomada de iniciativas coletivas.

O que podemos (e devemos) aprender com as crianças e a natureza?

Temos de aprender a ser corajosos como as crianças são, olhando para o desafio que têm pela frente sem medo de buscar soluções, mesmo sabendo que isso pode significar repensar o que fazemos e somos. Essa prontidão que as crianças têm quando olham para os desafios é uma grande inspiração, assim como a conexão tão íntima com a natureza e com o mundo que as cerca. Vamos perdendo essa naturalidade conforme ficamos adultos. Não podemos ver a natureza como algo à parte, ela é parte integrante de quem somos, assim como as crianças se sentem parte da natureza.