Parques acessíveis são um convite para todos brincarem juntos

Foto: Divulgação/Alpapato

06 nov Parques acessíveis são um convite para todos brincarem juntos

Para homenagear a filha, executivo cria projeto para doar parques com brinquedos adaptados em todo o Brasil

Por Mariana Sgarioni

06/11/2017

O administrador de empresas Rodolpho Henrique Fischer, conhecido como Rudi, de 54 anos, tem a fala mansa e o sorriso largo. Quem o vê não imagina como sua agenda diária é lotada, mas tão lotada que mal tem tempo de conversar. Os inúmeros compromissos profissionais só perdem para o tempo sagrado com os filhos Arthur, de 7 anos, e Felipe, de 3 anos. Afinal, é como ele diz: a infância tem pressa e passa rápido. “Alguns dias, eu desejei que minha filha fosse criança para sempre. Enquanto eu vivesse”, conta, em uma carta emocionada à filha, Anna Laura, que faleceu em 2012, aos 3 anos de idade.

foto2carinhoannalauraFoi a partir dessa tragédia familiar que Rudi e a esposa, Claudia, decidiram investir em algum projeto que homenageasse Anna para sempre. Assim nasceu o ALPAPATO (Anna Laura Parques Para Todos), uma iniciativa que planeja, constrói e doa parques infantis acessíveis a crianças com deficiência física. Já são 6 parques em todo o país, idealizados por um time de profissionais de diversas áreas comprometidos em acessibilidade.

Em setembro, Rudi participou da Missão Técnica Criança e Natureza, organizada pelo Instituto Alana, que levou uma delegação de brasileiros para conhecer a cidade de Freiburg, na Alemanha, referência mundial em planejamento sustentável e considerada amigável para crianças. A seguir, ele conta como foi essa experiência, e de que maneira ela pode influenciar nos projetos futuros da ALPAPATO.

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Como surgiu a ALPAPATO?

Depois da morte da minha filha, no mesmo ano, em 2012, eu e minha esposa fizemos uma viagem a Israel, em busca de conforto ao sofrimento. A nossa religião, o judaísmo, diz que se você quiser elevar a alma de uma pessoa que se foi, deve fazer coisas boas em nome dela. Então, durante a viagem, pensamos o que poderíamos fazer para homenagear Anna Laura. Visitamos uma instituição chamada Centro Comunitário Árabe-Judaico, que tem como objetivo a boa convivência entre as religiões locais. Lá, vimos pela primeira vez na vida um brinquedo acessível. A Claudia me perguntou: “será que existe isso no Brasil?” Procurei a prefeitura de SP, a AACD, além de outras instituições, e descobri que parques para crianças deficientes ou não existem, ou são inadequados, ou tem pouca conservação. Assim nasceu a Alpapato (Anna Laura Parques para Todos). Decidimos começar do zero uma iniciativa que tinha muita demanda e pouca oferta. Decidimos que o presente da Anna a estas crianças seriam esses parques. Reuni o melhor time que consegui: a melhor arquiteta paisagista, o melhor fabricante de brinquedos, artistas, advogados. Juntei uma equipe de primeira linha que nunca se negou a ajudar – e sem cobrar nada. Temos 3 objetivos: 1. a socialização da criança, ou seja, os parques são voltados para todas as crianças brincarem, com ou sem deficiência. 2. Terapia ao ar livre. 3. Lazer, obviamente.

Por que parques para crianças com deficiências?

foto5carinhoannalauraPorque não existem parques para pais de crianças com deficiências levarem seus filhos no Brasil. E eu tinha uma vontade de criar algo novo, útil. Eu nem sabia o que era um brinquedo acessível. Nossa idéia era criar no mínimo 4 parques por ano. O primeiro parquinho acessível da cidade de São Paulo foi inaugurado em uma unidade da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD), no Parque da Mooca, na Zona Leste. Ao todo são quinze peças no local, como balanços para crianças com dificuldades motoras e equipamentos com recursos para uso por cadeirantes. A publicidade foi tanta que hoje nosso principal trabalho é triar os pedidos para parques novos.

O que esses parques precisam ter obrigatoriamente?

Os parques devem ter rampas, pisos táteis (para deficientes visuais), bancos. Os brinquedos são adaptados, e alguns são criados por nós, como o “gafanhoto”, um sucesso. Outro fator que consideramos é o local a ser doado. Deve haver pelo menos 20 a 30 crianças presentes, no mínimo, por dia. A região deve ter uma carência socioeconômica E tem que ser arborizado. Primeiro porque árvore faz parte da vida. Sem contar que árvore faz sombra. Os brinquedos esquentam no verão, fica inviável a brincadeira. Além do mais, subir na árvore é importante, até porque a criança deve correr riscos, não pode ser superprotegida. Aliás, aprendi isso na Alemanha, na Missão Técnica… [risos]. Nossos pais diziam que quem brinca com fogo faz xixi na cama, não é mesmo? Pois na Alemanha aprendi que brincar com fogo é importante sim! [risos].

Como assim?

programa floresta1Visitamos um parque dentro da Floresta Negra, onde havia uma fogueira enorme, e as crianças estavam brincando ali, tranquilamente. Claro que estavam sendo supervisionadas por adultos, mas estavam brincando com gravetos, perto do fogo. Correr um certo risco (controlado, claro) é preciso. Depois disso, tomei a decisão de brincar com o fogo com meus filhos… [risos]

O que mais você viu nesta viagem que poderia ser aplicado ao seu trabalho na ALPAPATO?

Precisamos colocar mais natureza nos parques. Da pra fazer e estamos fazendo. Isso trouxemos de lá. Inclusive já conversei com nossa paisagista. Outra coisa que trouxe é a ideia de colocar mais sensações, como cheiros, cores, sons. Meu interesse específico nessa visita a Freiburg foi pela acessibilidade, explorei este aspecto. Visitamos parques e centros de lazer. Percebi que na Alemanha as diferenças são menos enfatizadas: um gordo, um magro, um cego, um cadeirante, são apenas crianças e ponto final. Não há equipamentos específicos: é tudo acessível para todo mundo. Não ficou claro para mim se esta especificidade é desnecessária porque, afinal, todos brincam juntos, ou se há um esquecimento das necessidades especiais. Enfim, acho que tem um pouco dos dois. De todo modo, existe um melhor aproveitamento da natureza. Lá tem muita natureza, mas São Paulo também tem. É só saber usar.

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