Professora, quando vamos ao parque?

Um relato tocante de como as crianças retomaram as atividades na Educação Infantil, tendo duas aliadas fundamentais: as professoras e a natureza
Criança, vista de cima, brinca com pedaços de madeira cortados em forma circular.

13 Oct Professora, quando vamos ao parque?

Com o retorno das aulas presenciais, os espaços externos se tornaram lugares privilegiados para estar com as crianças. Foi considerando ficar mais ao ar livre que retornamos a jornada com a Educação Infantil. O CEI Jardim Hercília, unidade na qual trabalho, localizado na zona leste de São Paulo, tem o privilégio de ter uma área externa maravilhosa, digo que é o coração da escola. 

Nos primeiros dias com o grupo de crianças de 3 e 4 anos, observei a força de (re) habitarem esse espaço educativo, sua conexão com o espaço natural e como a natureza acolhe cada criança em suas necessidades. Passaram meses em isolamento, sem convívio social e natural: seus corpos chegaram cheios de urgência para se movimentar, investigar, descobrir, sentir e se conhecer.

As experiências foram acontecendo aos poucos, tínhamos apenas metade do espaço externo com a grama cortada, o tanque de areia e os brinquedos do parque estavam fechados. Por mais que a escola tenha se preparado, questões como essas foram se resolvendo aos poucos. Eram muitas coisas para pensar e não tínhamos ideia de como seria o retorno. 

Brincar ao livre, explorar o ambiente, correr muito e mexer com a terra foram experiências primordiais. Nos primeiros dias, as crianças se incomodaram um pouco com a terra nas mãos, no calçado, na roupa: diziam que era sujeira. Fui explicando que  estava tudo bem, que fazia parte de explorar e brincar. Também puderam entrar nos espaços com grama alta e sentir o mato. 

Mão de criança segurando um pequeno besouro.

Colher flores e observar as borboletas (há muitas na unidade), foi algo que logo chamou a atenção. Uma das crianças tinha medo de borboletas e assim que começamos a encontrar insetos, esse medo se apresentou novamente. Entre observações, aproximações cuidadosas e conversas, eu contava que nós é que estávamos na casa deles – a natureza. De início, as crianças queriam matá-los assim que os encontravam (pisar em cima) porque acreditavam que poderiam picá-las. Fomos construindo uma relação com os tatuzinhos, com as marias fedidas e as formigas. Assim, o medo se foi. Depois de algumas semanas, tudo foi se tornando motivo de curiosidade, pesquisa e questionamentos. 

Depois que a grama foi cortada e conseguimos organizar a higienização dos brinquedos, o parque foi liberado. Lembro do dia que uma criança se jogou no chão e rolou na maior felicidade. Foi emocionante! Outra, quando viu o escorregador sem a faixa de lacre disse: “Acabou o coronavírus? Ehhhhh!”. Claro que explicamos que ainda não acabou, mas agora com a devida higienização poderíamos usar os brinquedos um de cada vez ou com distanciamento. 

Nesse momento, novos medos se apresentaram: medo de balançar, de subir, de escorregar, pular… questões relativas ao movimento, provavelmente por terem ficado muito tempo em casa, sem desafios corporais. A relação com o adulto referência gerou segurança, e isso foi muito importante para o apoio emocional e acompanhamento. 

A experiência de escalar o morro e ficar “lá no altão”, como elas diziam, foi mais um desafio em que demostraram medo e euforia. Escalar e escorregar de bumbum foi uma conquista que é comemorada até hoje por todas as crianças que se lançam. 

A unidade tem muitas árvores: Ipê, Quaresmeira, Hibisco, Leucena, Pata de vaca, Amoreira, Pitangueira, Ameixa-amarela, Bananeira, Goiabeira, Abacateiro, dentre outras. E acompanhar as transformações delas fez parte das observações das crianças: muitas folhas, flores, frutos e sementes foram colhidos do chão. Com eles criamos uma “caixa da natureza” que abrigou também pedras e os gravetos, que se tornaram o brinquedo preferido do grupo. Um percurso de pintura aconteceu nos espaços externos e foi de grande sucesso. Quando elas me viam organizar os materiais, me perguntavam “Hoje vai ter pintura?” e logo emendavam: “No parque?”. Ficaram encantados com essa possibilidade!

O tanque de areia foi o último a ser reaberto, mas mesmo antes, as crianças procuravam “areia” para brincar. Na verdade era terra seca e fininha que ficava na canaleta do parque, onde passa água da chuva. O tanque rapidamente se tornou um dos lugares preferidos. Nas primeiras vezes, as crianças corriam na areia e se jogavam nela, o entusiasmo era tanto que também se enterravam com frequência. Foi assim que fechamos um ciclo e a escola se reorganizou novamente. Com um espaço externo tão importante para as crianças, que a primeira pergunta que faziam ao chegar era:  Professora, quando vamos ao parque?

 

Foto de Marcela Chanan, uma mulher branca de cabelos castanhos longos. Ela tem um piercing no nariz e sorri para a foto.Marcela Chanan

Pedagoga, arte educadora e formadora de professores, atua há 16 anos na área. É Professora de Educação Infantil da Prefeitura Municipal de SP e idealizadora do Blog Cultura Infantil.

* A opinião retratada no texto não reflete necessariamente a do programa Criança e Natureza