A natureza como palco do desenvolvimento socioemocional*

30 Jul A natureza como palco do desenvolvimento socioemocional*

A criança é um ser da Terra. Interagir com as coisas do seu próprio planeta não deveria ser privilégio, mas rotina. Enquanto professora, entendo que a natureza esteja repleta de possibilidades para trabalhar emoções, sentimentos e sensações. Medo, alegria, tristeza, frustração, nojo, empatia, ansiedade, calma, paz. A cada movimento, algo novo pode surgir dentro da criança ao nosso lado. O papel do adulto mediador desse encontro entre criança e natureza, seja ele o professor, o cuidador ou o familiar, é permitir uma interação livre, possibilitando que a criança explore, crie, invente e descubra. Não precisamos – e não devemos – dar todas as respostas de imediato. Devemos, sim, jogar pistas, incentivar o raciocínio, mostrar para onde olhar e estabelecer limites seguros, mas sempre permitindo à criança correr alguns riscos calculados e desenvolver sua própria autonomia e potencial. Lá na escola, temos uma horta. Nós a criamos em conjunto, pois é em conjunto que a usamos. A nossa horta e o jardim anexo têm sido palco de transformações profundas para toda a comunidade escolar. São muitas as histórias vividas, mas existe uma história em especial, a do passarinho morto, que merece ser contada.

No último dia de aula de 2019, as crianças encontraram um passarinho morto no jardim da escola. Elas têm entre cinco e seis anos e, no início, eu fiquei um pouco preocupada com as possíveis reações. Mas elas me surpreenderam. No começo do ano, poucas se arriscavam a colocar a mão na água da chuva que guardamos na cisterna. Era uma grande aventura. Depois, vieram as minhocas e os piolhos de cobra. Mexer na terra, plantar flor, comer flor, comer folha amarga direto do pé, provar as coisas sem medo. Alguns alunos começaram a pedir para mexer na água da chuva nos dias mais quentes. Outros começaram a pedir para segurar as minhocas e outros bichinhos da composteira direto nas mãos. Encontramos os nossos primeiros casulos, as nossas primeiras lagartas. Com eles, aprendemos que tudo tem o seu tempo. Aprendemos a esperar.

Lá estávamos nós, em nossa última aula, mexendo nas lagartas. De repente, uma aluna que regava o ipê amarelo que plantamos no jardim gritou lá de longe: «OLHA, um passarinho morto!». Imaginem mais de 20 crianças de cinco a seis anos correndo curiosíssimas para ver o tal do passarinho. Formaram um círculo ao seu redor. Ficaram o observando. Ficaram fazendo teorias sobre a sua morte. Queriam tocar, fazer carinho, mas não deixei. Expliquei que em algumas coisas nós tocamos, em outras não. Peguei o passarinho com uma luva e as crianças se contentaram – meio a contragosto – em investigar de longe. Chegaram à conclusão de que ele não estava machucado, então só podia mesmo ser bem velhinho e, depois de uma vida longa e feliz, escolheu o nosso jardim para descansar. Uma aluna quis chorar e todos a abraçaram. Pode chorar, faz parte também. Por fim, me pediram para enterrar o passarinho. Fizemos uma cama bonita para ele e as crianças falaram algumas palavras de despedida. Colocamos algumas flores e agora ele está lá debaixo do nosso ipê amarelo, descansando. Que sorte a nossa!

Voltando para a minha sala, tive vontade de chorar. Não de tristeza pelo passarinho, mas porque foi ali que eu me dei conta, na nossa última aula, do tanto de maturidade que mexer na terra traz. Há um ano, aquelas mesmas crianças não tocavam na água da chuva. Hoje, enterram passarinhos com a tranquilidade de quem entende que a morte é parte da vida. E foram brincar. 

Gabriela Galdi

Gabriela Galdi

Professora. Criatura da Terra. Às vezes, criança. Especialista em neurociência aplicada à educação, gestão escolar e educação para a sustentabilidade. Divide relatos e sentimentos no instagram @pedagogiadaterra.

* A opinião retratada no texto não reflete necessariamente do programa Criança e Natureza