Brincadeira ajuda famílias do Brasil inteiro a descobrirem a natureza ao seu redor

24 May Brincadeira ajuda famílias do Brasil inteiro a descobrirem a natureza ao seu redor

Pedagoga paulista conta como criou as Caixas da Natureza, um projeto simples que conecta famílias de diferentes lugares do país, promovendo um intercâmbio de materiais  dos ambientes de cada cidade.

24/05/2017

Por Mariana Sgarioni

Uma família que mora em Rio Branco, no Acre, recebeu, certa vez, uma encomenda especial vinda de Diadema, na Grande São Paulo. Era uma caixa cuidadosamente preparada por outra família, até então desconhecida. Dentro, havia vários itens que foram recolhidos a mais de dois mil quilômetros dali, na região dos remetentes: folhas, pedaços de árvore, flores. E uma garrafinha com um pouco de areia da praia e água do mar, vindas de Mongaguá, litoral paulista. Neste momento, os olhos da mãe acreana se encheram de lágrimas: coincidentemente, foi justo nessa praia que ela havia passado sua infância, quem diria.

Caixa de NaturezaEm contrapartida, a família de Diadema também recebeu diversos frutos exóticos e materiais naturais típicos do Acre. “A abertura das caixas é sempre um momento de emoção e resgate de memórias”, conta Ana Carolina Thomé, 32 anos, idealizadora dessa brincadeira de trocas entre famílias que moram longe, não se conhecem, mas gostariam de se conectar com outra região do país.

As Caixas da Natureza tem como objetivo mais do que compartilhar a natureza que as crianças vivem e experimentam no seu dia a dia. A ideia é fazer que as famílias se reúnam, saiam de casa, e coletem material do seu entorno. Que se apropriem do espaço onde vivem. Que vejam a natureza ao seu redor, muitas vezes escondida. E, no fim, que tenham momentos divertidos juntos.

Paulista de São Bernardo do Campo, Ana Carolina é professora de educação infantil. Especializou-se em educação lúdica e trabalhou em escolas da floresta na Inglaterra. Na volta, criou o projeto Ser Criança é Natural, em que promove passeios com crianças na natureza, cursos virtuais e encontros. Desde o segundo semestre do ano passado, ela também comanda o Ser Bebê é Natural, que promove atividades ao ar livre voltadas para bebês de até 20 meses. “Não tem idade mínima para estar na natureza. Simplesmente porque o ser humano é a própria natureza”, resume.

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Como você criou as Caixas da Natureza?

Recebemos mensagens do Brasil inteiro de famílias interessadas em nossos passeios, que são trilhas em parques da cidade de São Paulo. Infelizmente não podemos ir pessoalmente a tantos lugares, então pensamos em um jeito de viabilizar isso. Sabemos que as famílias não precisam da gente para estar um parque – mas precisam de incentivo e repertório. Nossa referência para criar as caixas foi uma brincadeira simples, que fazemos com as crianças no início de cada trilha: distribuímos saquinhos vazios e elas vão coletando coisas do chão durante todo o percurso. Além de focar as crianças, este jogo faz que elas pesquisem, procurem, cavem. No final, elas adoram mostrar o que acharam. Pensamos então em oferecer uma caixa vazia e pedir para que as famílias saíssem de casa coletando coisas. Esta é uma forma, em primeiro lugar, de mostrar que tem natureza em seu entorno. É um reencontro com seus espaços.

 

As famílias sabem para onde vão suas caixas?

Não. Quando se inscrevem, recebem um manual com informações. Somos nós que sorteamos os endereços e conectamos regiões diferentes e, se possível, com crianças de idades próximas. O importante desse trabalho é que as famílias saibam que não se trata só de sair coletando e mandar. É importante se apropriar da natureza, experimentar, estudar o que vai contar sobre este material. Então tem muita gente que também manda mapas, fotos, a história da região que mora. As famílias dizem que a atividade faz que tenham um tempo juntos, sem correria, celular, computador. O mais importante é o movimento de sair de casa, os passeios, e não as caixas em si. É impressionante ver como as percepções sobre o espaço mudam.

 

Qual a importância da família inteira estar envolvida?

Família e NaturezaA família precisa estar envolvida em tudo, não somente a criança. Nós promovemos passeios mensais a parques públicos com 12 famílias em média, com crianças de até seis anos de idade. São encontros de famílias para brincar na natureza. É um movimento integral, uma formação para o adulto. Então como esse adulto se sente ao estar num parque e não levar nenhum brinquedo? Não ir ao parquinho? Como vamos fazer para brincar com o que já está ali? Mostramos aos pais como a natureza basta para as crianças, como elas crescem com esse contato – e eles também. Se você sempre leva seus filhos ao parquinho, tem a possibilidade de ficar no celular o tempo todo. E assim não fica inteiramente presente e atento. Há pais, por exemplo, que cada vez que a criança toca numa árvore passam álcool gel na mão do filho. Então tem que ensinar este pai e esta mãe: se vocês limparem o tempo todo, seu filho vai entender que precisa evitar o toque. Vai achar que aquilo é ruim e sujo.

 

A sujeira incomoda os pais?

Muito. Por isso é importante a conscientização familiar, a educação. Se a escola, por exemplo, mandar a criança impecável para casa todos os dias, os pais vão entender que isso é importante. Ou seja: devem preferir o cuidado com a higiene à experiência. Tinta, terra e frutas não são sujeira. Se a roupa vier manchada, qual o problema? O que é sujeira para você? Ora, o uniforme traz marcas de experiência. E devem ser uma boa oportunidade para uma conversa com os filhos: “Me conta o que são estas marcas!”


Por isso é tão difícil trazer a natureza para dentro das escolas.

Existe um movimento geral de higienização escolar. Tudo tem que estar perfeitamente limpo. Trazer a natureza para dentro da escola dá trabalho: é barro no chão, água, folhas, bagunça, poeira. O pessoal da limpeza reclama. Então tem que pensar, em primeiro lugar, que todo mundo dentro da escola é um educador, não somente o professor. o porteiro, o faxineiro, o copeiro, o inspetor. Todo mundo tem que entender por que as coisas estão acontecendo, caso contrário a higienização toma conta mesmo. Trabalhei numa escola que tinha um parque lindo. Um dia, cimentaram tudo e jogaram pedrinhas de paralelepípedo em cima da grama. Depois aquilo virou grama sintética. E, para finalizar, tiraram até as pedrinhas que as crianças adoravam. Resultado: as crianças simplesmente pararam de brincar. Mas ficou tudo limpinho.

 

Esta questão com os bebês talvez seja ainda mais forte. Como são os encontros que você promove de bebês na natureza?

Bebê na naturezaA natureza não tem idade nem contra-indicação. Até porque o ser humano não precisa estar na natureza; ele é natureza, faz parte dela. Com os bebês, nosso trabalho é conversar e incentivar os pais. Deixar a criança sentir o vento tocar no rosto, observar o movimento das árvores. Todos os seus sentidos já estão acontecendo ali. Esta é uma verdadeira atividade sensorial! É preciso falar com os pais para evitar ao máximo sua interferência. Então já houve bebês que chegaram para o passeio com vestidinho de aniversário, engomadinhos, de babados, e voltaram cheios de lama [risos]. Quanto mais o bebê (e a criança também) tiver a liberdade de brincar sem interrupção, menos ele vai se machucar no futuro. A motricidade livre é uma confiança do adulto de que a criança consegue, ela pode. Confie na criança. Fique perto para o que ela precisar, mas não interfira. Se você gritar, de longe: “Não faça isso que você vai cair!”,  a criança sempre vai buscar um olhar de aprovação ou reprovação. Isso vai quebrar a experiência. Em vez dos sentidos estarem nas brincadeiras, estarão atentos ao adulto.

O que os adultos devem fazer então?

Estejam presentes e atentos. Mas deixem as crianças livres para explorar seus movimentos. Deixem que elas caiam para que aprendam a colocar a mão na frente (claro que não é para machucar de verdade!). Elas precisam conhecer seus corpos para evitarem quedas. Portanto, não interfiram. Apenas fiquem por perto.

 

Para saber mais:

OS MEUS, OS SEUS, OS NOSSOS: FAMÍLIAS VIAJAM JUNTAS E SE UNEM PARA CUIDAR DAS CRIANÇAS

DESAFIOS DE COMO APROXIMAR AS CRIANÇAS DA NATUREZA NAS CIDADES, COM IRENE QUINTÁNS