Jardins curadores

04 Ago Jardins curadores

A Fundación Inspira, do Chile, trabalha para reduzir a ansiedade, o estresse e promover o bem estar em hospitais. Como? Revitalizando suas áreas verdes

Em 1984, o psicólogo americano Roger Ulrich publicou os resultados de uma pesquisa: ele revisou os prontuários e dados de pacientes que foram operados da vesícula em um hospital da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Analisou o quanto esses pacientes reclamavam de dor, solicitavam a enfermagem e pediam analgésicos e outros remédios no pós operatório. A única diferença entre os dois grupos de pacientes era que eles ficaram alojados em alas distintas do hospital: em uma delas, a vista da janela dava para um muro de tijolos. Na outra, as janelas se abriam para um jardim.

DorisO resultado foi espantoso: a recuperação dos pacientes com vista para o verde havia sido um dia mais rápida, com uma quantidade significativamente menor de analgésicos e menos complicações pós cirúrgicas dos que estavam de cara para o muro. Hoje, vários outros estudos comprovam o poder que o contato com a natureza tem de promover bem estar, redução da ansiedade e do estresse. Então, que melhor lugar para ter belos jardins do que os hospitais? Doris Erlwein, psicóloga que é co-fundadora e diretora da Fundación Inspira, no Chile, se dedica justamente a isso: revitalizar áreas verdes dentro de instituições hospitalares junto com a comunidade (médicos, enfermeiros, pacientes, funcionários). “Desde muito pequena, tive a inquietação de fazer algo pelas pessoas mais vulneráveis. Algo que pudesse enriquecer o seu dia-a-dia e torna-lo mais amável”, diz Doris. O relato de sua experiência é tocante.

Como nasceu a Fundación Inspira?

Nasceu dessa vontade de facilitar vivências e experiências que pudessem aproximar a natureza das pessoas, levando beleza, contemplação, inspiração e tornando seu dia melhor. De início, não pensávamos em hospitais. O que sabíamos era que nossa construção teria de seguir um padrão de beleza. Acreditamos na beleza com um bem social, como algo que dignifica quem ali está, quem desfruta de determinado lugar. E então a Verônica, minha sócia, que conhecia a diretora de um grande hospital público aqui em Santiago, chamado El Salvador, ficou sabendo que ela queria recuperar o parque central da cidade. O hospital atende mais de 500 mil pessoas por ano, das 9 comunas que formam nossa cidade. Então, por que não começar por ali? Já sabíamos dos benefícios que o contato com a natureza proporciona ao ser humano. E levar mais natureza aos hospitais fazia todo o sentido.

Trabalho no hospitalHá quanto tempo trabalham nesse hospital?

Estamos há 5 anos ali, e agora temos até um escritório dentro do hospital, o que nos permite um contato mais eficiente e rápido. Vimos que é possível levar natureza aos centros de saúde, e com isso reduzir o estresse. Os hospitais são instituições altamente hierarquizadas, e é bacana de ver como o nosso projeto, que tem um modelo participativo, acaba quebrando isso. Poder juntar médicos, enfermeiras, funcionários e pacientes para participar do desenho, da concepção e do plantio de uma área verde é algo muitas vezes maior do que o próprio jardim.

As áreas são recuperadas apenas com a comunidade hospitalar?

Temos também um grupo de voluntários que nos ajudam, essa é uma parte bem importante do trabalho. Uma vez por mês, fazemos um mutirão para manter os jardins já existentes e vem gente até de fora de Santiago nos ajudar. É muito bonito. Outra linha que temos é a de levar arte: música, esculturas e atividades para os jardins dos hospitais. Estamos implantando isso também com a ajuda de artistas voluntários.

Vocês têm alguma pesquisa sobre o que os jardins provocaram?crianças

Estamos participando de um estudo do Ministério de Desenvolvimento Social, apoiado por um fundo público. Com isso, temos levantado dados para saber qual é o efeito desses jardins, como eles são ocupados etc. É um estudo qualitativo com alguns dados quantitativos também. Ainda não terminamos de analisar todos os dados, mas uma coisa que já nos chamou a atenção nos levantamentos é a quantidade de crianças que existem circulando por um hospital, um local a princípio de adultos. A partir disso, vamos levar ao Ministério a demanda de que sejam construídas áreas para as crianças nos hospitais públicos. Os hospitais estão entre os locais com maior nível de estresse que existem, e sabemos que um jardim e uma área para brincar pode colaborar para que tanto os pacientes quanto seus familiares tenham um respiro, amenizem o tempo de espera, possam se encontrar em um ambiente melhor. E mais: levar a natureza de volta para dentro dos hospitais é importante não só para pacientes e familiares, mas para os médicos também!

médicos no jardimQualquer jardim ajuda?

A natureza em geral ajuda, mas há vários estudos sobre o tema, que levantam especificidades que um jardim curador pode ter. É importante incluir flores, porque isso traz cores que estimulam os sentidos, o que colabora para baixar os níveis de ansiedade e faz as pessoas se sentirem mais presentes. É preferível também que sejam locais com linhas circulares ou trajetos circulares, percebidos como mais acolhedores. Também é desejável incluir diferentes odores e texturas. E, claro, é preciso ter locais para se sentar. Cada vez que fazemos um banco novo, é incrível como ele logo começa a ser ocupado. Isso permite interagir com outros, vira um lugar de encontro. Acreditamos no poder destes quatro elementos: natureza, beleza, encontros e cuidado.

senhoraQual é o maior objetivo de vocês?

Temos mais de 30 pedidos de hospitais por todo o Chile, mas não conseguimos atende-los. Nosso desejo é conseguir recuperar mais espaços para o bem comum, e para isso é essencial estabelecer parcerias. Trabalhamos com alianças público-privadas. Isso é imprescindível. Nosso desejo é que possamos fazer acontecer coisas boas, todos juntos, cada um sendo parte de uma engrenagem que nos favorece.


O que as pessoas dizem sobre os jardins?antes_e_depois_do_jardim

Temos inúmeros testemunhos, mas alguns se repetem. Várias pessoas falam, de diferentes formas: “Quando eu venho ao jardim, esqueço que estou em um hospital”. Isso é impagável. Me marcou também a história de uma mulher que vinha de longe, com o filho, para visitar o marido internado. Antes eles almoçavam dentro do carro, e agora comem no jardim. Tem ainda pacientes que já marcam de receber a família lá fora, porque dentro do quarto há restrições para as visitas, só dá para entrarem duas pessoas por vez. Então, vemos que os jardins promovem privacidade, encontro, humanização. Nossa maior medida de sucesso é que no Hospital El Salvador já recuperamos seis áreas verdes diferentes, ao longo de três anos, passando por duas gestões diferentes do hospital. E várias vezes, os pedidos surgem dos próprios médicos, funcionários, da direção. Isso mostra a importância do trabalho.


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