“Ter acesso à natureza é um direito das crianças”

Pedro Hartung quer contribuir para uma infância melhor para todos os meninos e meninas do Brasil. Para isso, utiliza sua ferramenta de trabalho: as leis

20 Jul “Ter acesso à natureza é um direito das crianças”

O advogado Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Alana, doutorando pela Universidade de São Paula (USP), com doutorado sanduíche na Harvard Law School, nos Estados Unidos e pesquisador do Child Advocacy Program, não se aproximou da área dos direitos da criança por acaso. “Minha mãe é professora de escola pública”, diz. “Crianças e educação foram temas sempre muito caros em casa”. Mas foi com 14 anos, quando ele começou a trabalhar como voluntário em uma associação que atendia crianças carentes, em uma área de favela de Campinas, onde morava, que sua perspectiva mudou. “Conheci realidades completamente diferentes da minha. Furei a minha ‘bolha’ de classe social e isso me despertou”, conta. A partir daí, Pedro escolheu o Direito, que considera uma ferramenta de mudança social. E, mais especificamente, trabalhar na perspectiva dos direitos da criança.

Por Carolina Tarrio

Fala-se bastante do direito ao brincar. Mas como garantir às crianças o acesso ao verde, às praças e parques onde possam brincar? Existe algo na lei a esse respeito?

pedro_law_library_harvardO artigo 227 da nossa Constituição diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à cultura e à convivência familiar e comunitária. Acredito que dentro dessa premissa as crianças têm direito a um ambiente ecologicamente sadio, equilibrado. Quando isso é garantido na Constituição e colocado como prioridade absoluta, significa que as políticas e os investimentos públicos devem seguir essa ordem. Claro que quando pensamos em praças e parques urbanos sabemos que cada município tem a sua competência e forma de regulamentação, mas, como estamos falando de um direito constitucional, precisamos cuidar para que isso seja garantido. São Paulo, por exemplo, tem um grande parque que é o Ibirapuera. Mas quantas pessoas conseguem chegar lá sem tomar duas, três conduções? Os parques e praças precisam estar melhor distribuídos para garantir acessibilidade a todos. Do jeito que a cidade se organiza hoje, as crianças podem estar neles? Desfrutar deles? Precisamos levantar essas discussões e fazer esse debate.

O acesso ao verde pode ser considerado um direito?

Sim, e essa não é uma questão menor. Alguns podem falar que a erradicação da miséria, da fome ou as questões de saúde vêm antes, mas a verdade é que tudo está interligado. E a gente não pode hierarquizar ou fatiar direitos. Ter acesso a um parque ou área verde, que fique próximo, garante à criança seu direito a brincar, à convivência familiar e comunitária, à saúde. Garantir isso é garantir sua integridade física, psicológica e mental. É garantir, também, seu direito à educação, porque a educação não ocorre unicamente de modo formal, em local fechado. As grandes descobertas da humanidade decorreram em grande parte da observação dos fenômenos naturais, dos processo da natureza.

É possível garantir os direitos da criança sem dar oportunidades e proteção a quem cuida dessa criança?

Essa é a grande mudança de perspectiva que tem de ocorrer: quando se fala dos direitos da criança, é preciso garantir direitos para seus cuidadores. Uma boa licença maternidade, por exemplo, um bom sistema de creches. Nós precisamos de um pacto social. A Constituição diz que a responsabilidade é da família, da sociedade civil e do Estado. Todos esses setores precisam ter consciência e agir conjuntamente. A responsabilidade não é apenas dos pais. As empresas, as instituições e o Estado devem mudar suas condutas para que, aos pais, seja possível educar e cuidar das crianças. As famílias devem entender a prioridade absoluta, mas para exercer uma parentalidade positiva, o Estado tem de lhes dar garantias mínimas, isso não pode recair apenas sobre os pais.

Você está otimista com relação a isso no Brasil?

Acho que tivemos enormes avanços desde a Constituição de 1988. Avanços legais, como a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, e avanços de outra natureza, como a redução da mortalidade infantil, do trabalho infantil, a universalização do acesso à escola. Agora, nenhum avanço está garantido. Essa é uma luta diária, é preciso vigilância constante. A recente adoção do teto de gastos por 20 anos, por exemplo, terá um impacto gigantesco. Países que aplicaram uma política de austeridade, como a Grécia, viram resultados alarmantes: em 5 anos a mortalidade infantil disparou por lá.

Em alguns países, bens naturais, como rios, foram declarados entidades autônomas e tiveram seus direitos salvaguardados. Essa é uma tendência? Há algo assim no Brasil?

Esse ramo do direito é incipiente no Brasil, mas países como o Equador, o México e a Bolívia conferiram direitos não só às pessoas como a outros seres vivos e a elementos como rios ou plantas, assegurando-lhes garantias. É algo muito interessante, trata-se de assumir que o ser humano não é o centro deste planeta e que temos de alcançar um equilíbrio, que é preciso proteger os elementos naturais que nos precederam e dos quais dependemos.

_MG_8314Com a velocidade com que as coisas mudam hoje, as leis acompanham a sociedade?

É para isso que eu trabalho, para isso que institutos como o Alana existem: para permitir que as leis acompanhem as mudanças que ocorrem na sociedade, para que a lei reconheça essas mudanças. Muitos lutaram para que tivéssemos uma Constituição e para que os direitos das crianças fossem reconhecidos. Somos parte dessa luta e precisamos seguir atuando para garantir o direito à Justiça a crianças e adolescentes, ainda que o cenário político seja desafiador. Eu tenho muita esperança. Tem gente trabalhando e pensando, por exemplo, como produzir conhecimento e atuar politicamente para diminuir o impacto das mudanças climáticas no que diz respeito aos direitos das crianças. Há muito para ser feito, mas não estamos sozinhos nisso.