Um lugar para brincar e ser livre junto à natureza

27 Jul Um lugar para brincar e ser livre junto à natureza

 

Essa é a proposta do Jardim das Brincadeiras, um espaço natural de vivências e brincadeiras para crianças e suas famílias

Guilherme BlauthGuilherme Blauth viveu uma infância bem urbana. Foi menino de apartamento e se formou em Administração de Empresas. “Por sorte, tive algumas oportunidades de ir para o mato, em fazendas, no sítio de um tio. E essas foram, para mim, as experiências mais marcantes”, diz. Depois de formado, ele começou a  trabalhar com artes cênicas, tornou-se ator e diretor de teatro. “O trabalho de ator tem muito a ver com a brincadeira. É um lugar de jogo, de se experimentar”, conta.

Guilherme também se interessou por agroecologia, e a vontade de morar mais perto da natureza o levou para uma cidade próxima a Florianópolis. “Trabalhei com formação de professores e diretores de escola públicas em ecopedagogia, desenvolvi jogos e materiais voltados para a conservação da natureza e comecei uma pesquisa sobre brinquedos e brincadeiras com elementos naturais”, conta.

Ele pesquisou brincadeiras tanto entre amigos como em visitas que fez a comunidades tradicionais, em vários pontos do Brasil. Um dos resultados dessa investigação foi um livro, disponível para download no site do Criança e Natureza.

Outro foi o desejo de criar espaços com elementos naturais, nos quais adultos e crianças possam estar: assim nasceu o Jardim das Brincadeiras.

jardim das brincadeirasComo funciona o Jardim das Brincadeiras, em Paulo Lopes, perto de Florianópolis?

Temos uma área de mata, com brinquedos e mobiliários feitos inteiramente com materiais naturais. O que desenvolvemos aqui foi uma forma de ser e de estar, com a criança e o adulto, neste lugar. A área está aberta, e nós promovemos alguns eventos. Também criamos espaços como este na cidade de Jundiaí, no interior de São Paulo, e no Sesc Interlagos, em São Paulo. A ideia é ter um espaço com várias instalações, que una beleza e encantamento. Normalmente incluímos um mobiliário desconstruído, ou esculturas, e também plantas com as quais as crianças possam brincar.

O que mudou no brincar, nos últimos anos?

Acho que as crianças eram mais livres antigamente. Não existia a figura dos “pais helicópteros”, com esse medo todo, controlando seus passos. As crianças tinham a rua, os terrenos baldios, alguns locais nas imediações onde podiam brincar sem supervisão. E o mundo também ficou mais tecnológico. As crianças estão viciadas em telas. Elas têm síndrome de abstinência mesmo! Acontece que na telinha tudo está pronto: o visual, o conteúdo, a função… E há opções infinitas. Muitos pais hoje associam brincar a isso: comprar um gadget e oferecer aos filhos conteúdo infinito. Acho incrível que muitos adultos têm medo de deixarem as crianças brincarem na natureza, mas não acham arriscado cinco horas de telinha consecutivas, conectados à internet.


O que você nota quando as crianças vão brincar nesses espaços naturais?

Vejo algumas crianças mais frágeis, com aqueles pezinhos que nunca tocaram na terra. Mas isso muda. E muda rápido. Às vezes, em questão de horas, crianças mais retraídas, com corpos menos acostumados a se mover vão se transformando. Uma porção de natureza faz um efeito incrível! Tem desde uma mudança física até a de estado psíquico: as crianças às vezes chegam mais sombrias ou tristes, mas logo a energia muda.


Por que brinquedos feitos de elementos naturais?CASA (1)

Existem diferentes categorias de brinquedos: os estruturados, os semiestruturados e os não estruturados. Em minhas pesquisas, conheci uma menina, na Bahia, que brincava com uma corda, um lençol e uma cadeira. Ela não precisava de mais nada! As crianças, na verdade, não precisam de brinquedos. Elas precisam é de brincar! Pode ser que um objeto, um brinquedo sirva de acesso ao seu brincar, mas não é o objeto que o carrega. E sim, a criança que investe aquele brinquedo de sua fantasia e experimentação. O que noto é que os brinquedos não estruturados (ou seja, que não estão “prontos”, com uma única função fechada), e feitos com materiais orgânicos, têm uma série de vantagens: eles trazem consigo uma textura, as cores, os padrões e os cheiros da natureza e isso se conecta com uma natureza interna da criança. Nada contra um brinquedo feito de sucata, mas acho que esses elementos dos brinquedos naturais aguçam outros sentidos.

Será que a questão está no tipo de brinquedo ou mais na possibilidade do brincar livre acontecer?

Há uma grande preocupação, por parte dos adultos, de que as crianças não “percam tempo”. De alguma forma, parece que o ócio, a contemplação, a manipulação livre dos elementos perderam significado, como se isso não educasse, não fosse essencial. Talvez seja um pouco de inveja inconsciente dos adultos com relação a essa liberdade das crianças. Os adultos tentam impor às crianças um ritmo que é o deles. É difícil para nós lidar com a liberdade das crianças. Porque a brincadeira de uma criança às vezes dura dias e dias. E ela precisa desse tempo, tem uma elaboração aí. Mas como lidar com uma brincadeira de dias entre mil atividades programadas? Temos um grande desafio com relação às próximas gerações, porque tudo favorece o isolamento, a telinha, as mil interrupções e atividades programadas.

TRILHAComo mudar isso?

É preciso trabalhar com os adultos, principalmente. Eu vejo alguns pais despertando, mais atentos, procurando alternativas. Os adultos precisam perceber seus medos, suas raivas, os sentimentos que interferem nessa construção dos valores e das práticas que queremos para as crianças. É por meio desse adulto que a cultura e os valores chegam. O importante é que esse adulto possa olhar para o desejo e as necessidades da criança, sem fazê-la refém do seu ritmo. Não estou propondo que a criança dite tudo, nem que seja abandonada ao seu bel prazer. Mas é importante deixar que a criança perceba o que ela precisa, perceba quando sente fome, sono, que vontades têm. Ela tem essa capacidade e esse autoconhecimento é algo muito potente. Vi um diálogo entre um índio Kalapalo e um branco que me marcou. O branco perguntou: “você não ensina o seu filho?. “Não”, disse o índio. “E quando ele quer?”. “Aí eu ensino”. Na aldeia, as crianças estão juntas com os adultos, vivenciando, vendo, aprendendo só de estar ali. E quando o desejo de um aprendizado de maneira mais estruturada se manifesta, aí ele é atendido. Nós andamos muito sem paciência, sem tolerância. E cada vez nos organizamos de modo mais individual, com menos comunidade, menos convivência. É um tempo muito desafiador. Por isso considero importante trabalhar na recuperação de espaços onde a convivência entre as gerações, crianças e pais, crianças e avós possa ocorrer.

SAIBA MAIS:

INSCRIÇÕES ABERTAS PARA O ENCONTRO CRIANÇA E NATUREZA – FLORIANÓPOLIS 2018

“TER ACESSO À NATUREZA É UM DIREITO DAS CRIANÇAS”