O que você fez hoje pela sua cidade?

02 maio O que você fez hoje pela sua cidade?

Ex-subsecretária da prefeitura do Rio de Janeiro ensina que recuperar praças degradadas não depende apenas de grandes investidores ou do poder público: moradores e pequenos comércios do bairro podem fazer a diferença

Por Mariana Sgarioni


A administradora de empresas Ana Luiza de Toledo Piza, de 46 anos, nasceu e cresceu no bairro de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro. Estudou no tradicional Colégio Notre Dame e passou a infância brincando entre as árvores da praça Nossa Senhora da Paz e do Jardim de Alah, que marca a fronteira com o Leblon. Sem que ela percebesse, com o passar dos anos, aqueles lugares que guardavam suas melhores lembranças de infância estavam ficando cada vez mais abandonados. “Voltei a viver minha cidade quando minhas filhas nasceram”, lembra ela, mãe de Sofia, 12 anos, e de Laura, 8. Com as crianças, ela passou novamente a frequentar praças e a perceber que a degradação era geral. Brinquedos e bancos quebrados, sem árvores, poeira, sujeira, falta de segurança. “Cadê as pessoas dessa cidade que não cuidam disso aqui?”, pensava.

Até o dia em que foi convidada para uma reunião na casa de familiares e foi apresentada ao então recém-empossado Secretário Municipal de Conservação e Serviços Públicos. Encantada com a possibilidade de cuidar melhor da sua cidade, Ana Luiza arregaçou as mangas e ofereceu-se para trabalhar com ele na melhoria dos parques e praças do Rio de Janeiro. Assim, foi empossada como Subsecretária de Relacionamento com o Cidadão*. Sem recursos públicos, ela apostou nas parcerias com a iniciativa privada – e, principalmente, com os moradores – para promover uma verdadeira revolução nas áreas públicas de lazer do Rio. Num passe de mágica, a prefeitura deixou de ser aquela entidade que nada resolve e moradores passaram a ser ouvidos. “Quem quisesse revitalizar sua praça, tinha que me apresentar formas de viabilizar isso. Nada cai do céu. Eu perguntava: ‘o que você tem para dar em troca?’. O morador se aproxima da sua cidade quando se transforma em parte da solução”, diz ela.

Na entrevista a seguir, Ana Luiza conta de que forma é possível revitalizar os espaços públicos sem esperar grandes investimentos, seja da prefeitura, seja de empresários. Se cada um fizer um pouco, a cidade ganha novos ares.

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Praça Mauá, Rio de Janeiro

Os grandes centros urbanos têm sempre muitas praças e parques degradados. Por que é tão difícil falar com a prefeitura para resolver isso?

Em geral, recuperar essas áreas não é prioridade da prefeitura. O poder público costuma priorizar grandes obras, pavimentações, construções. Há coisas mais urgentes para fazer numa cidade. Revitalizar praças, parquinhos, jardins, não está no topo da lista. É importante que as pessoas saibam disso para que não esperem que a prefeitura resolva tudo. A Secretaria de Conservação e Serviços Públicos do Rio de Janeiro foi fundada justamente para atender os cidadãos, e isso facilitou muito o contato*. Muitos presidentes de associação de moradores me diziam: “eu estava tentando falar com a prefeitura havia anos, finalmente alguém atendeu o telefone!”. [risos]

E foi possível recuperar as todas as praças?

Como subsecretária municipal da cidade do Rio de Janeiro, eu tinha mais de 2.000 praças para serem recuperadas. Qual delas deve ser priorizada? Como escolher quem vem primeiro? Eu sentava com moradores e presidentes de associações de bairro e colocava as coisas desta forma: “olha, são muitas praças na fila. Por que eu escolheria a sua? O que você vai fazer para ajudar?” A ideia é envolver os cidadãos na solução dos problemas e não reforçar que eles sejam passivos. No Jardim Botânico, por exemplo, uma presidente de associação topou sair em busca de ajuda. Conseguiu um investimento para trocar os brinquedos de uma praça. Ótimo: ela fez os móveis e eu entrei com a mão de obra da reforma. Assim, a praça foi totalmente restaurada. Durante muito tempo, meu foco foram os presidentes de associação de moradores. Cheguei a chamar a maioria deles para uma apresentação, com aulas, mostrando o que fazem os presidentes de associações de Nova York. Por que as coisas dão certo lá e aqui não?

Como funciona essa parceria da prefeitura com moradores ou com a iniciativa privada?

O único jeito de conseguir que as reformas saiam do papel é fazendo parcerias. Eu usei muito Nova York como referência de cidade bem cuidada, com parques incríveis que foram totalmente revitalizados, como o Central Park, por exemplo, que antes era um lugar perigoso e abandonado, e hoje é um oásis verde na cidade. Isso aconteceu sem nenhum dinheiro público. Meu primeiro trabalho quando assumi na prefeitura foi o projeto Rio mais Florido, inspirado em NY, que também não gastou nenhum recurso público. Fizemos um concurso entre os prédios da Lagoa para fazer ou refazer seus canteiros, tudo com o apoio de uma grande seguradora.

Mas as grandes empresas também nem sempre são de fácil acesso…

Uma praça bem cuidada não depende de grandes empresas. Primeiro é preciso fazer um levantamento da região: escolas, restaurantes, bares, lanchonetes, lojas, farmácias. Estes lugares podem investir e adotar a praça. Cada estabelecimento pode doar uma coisa: um banco, uma cerca, um brinquedo. É preciso criatividade. E principalmente envolver toda a região no projeto. Além de estimular a sensação de pertencimento à cidade, esta medida ajuda a conservar a praça. Ninguém quebra ou depreda o que é seu. A população deve se apropriar do lugar. Depois da revitalização, em alguns bairros, eu elegia o guardião da praça. Na inauguração, crianças do bairro plantavam mudas e estavam sempre presentes.

10595_baixo_bebe002bPor que você resolveu investir seu tempo e carreira na recuperação das praças?

Trabalhei 15 anos na iniciativa privada, como administradora de empresas. Foi a maternidade que me trouxe de volta esse olhar para as praças do Rio. Eu frequentava o Baixo Bebê, na Lagoa, com minhas filhas. Poderia estar num clube, mas fazia questão de viver minha cidade com elas. O cenário era sempre lindo, porque a cidade é linda, mas os lugares sujos, brinquedos quebrados, sem iluminação, um horror. Não dá para ser assim, velho, feio. Não há encantamento. Quando surgiu a oportunidade de trabalhar na prefeitura, pensei: “é isso que quero fazer! Tenho muito a acrescentar aqui!”.

Qual foi a principal lição que você aprendeu ao estar do lado poder público?

Como eu achava que tinha o direito de reclamar da minha cidade se eu nunca tinha feito nada para melhorar? Esta foi a primeira lição. Depois, aprendi a trabalhar para todos, não só para mim. No final das contas, veja você, ajudei a revitalizar todas as praças da Lagoa, incluindo o Baixo Bebê e, a essa altura, minhas filhas já tinham crescido, não aproveitaram nada… [risos].

* Esta secretaria foi desativada pela atual gestão da prefeitura do Rio de Janeiro, mas deixou como legado essa visão de parceria entre poder público e cidadãos, como forma de viabilizar a criação e a manutenção de espaços públicos de lazer.

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“Adotamos nossa praça”

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Praça Milton Santos, no Leblon, RJ

“A Praça Milton Campos, na chamada ‘Selva de Pedra’, coração do Leblon, tornou-se uma referência no bairro. Antes de ser totalmente revitalizada, ela ficou mais de dez anos sem poda de árvores, sem iluminação, abandonada. Nossa associação cobrou muito da prefeitura uma providência. Até que conheci a Ana Luiza e ela me perguntou se a própria associação não poderia adotar a praça. Com o nosso dinheiro de caixa, compramos placas de sinalização, bancos de madeira, recuperamos os tabuleiros de damas e xadrez. Quando a Ana viu nosso envolvimento, a prefeitura entrou de cabeça na obra. Podaram árvores, trocaram brinquedos, colocaram academia da terceira idade, mexeram no piso, pintaram. Doaram ainda vasos de plantas para decoração. Acompanhamos de perto a obra, diariamente. Agora, estamos trabalhando para o Shopping Leblon adotar a praça conosco. Temos um calendário de festas e todos querem participar”

Denise Corrêa, presidente da ABESPE (Associação de Moradores e Amigos da Selva de Pedra).