A Floresta Educadora – na prática a teoria é outra

30 out A Floresta Educadora – na prática a teoria é outra

Estamos há tantos meses quarentenados… As escolas, entre outros setores, foram as primeiras a parar. Pelas estratégias sanitárias das organizações e representações da saúde, os setores ligados à educação, como creches, escolas e universidades deverão ser os últimos a retornar às atividades presenciais. Como forma de solucionar aquilo que chamam de “retomada”, soluções como atividades ao ar livre se tornaram urgentes. Atividades ao ar livre, aulas lá fora, floresta-escola (ou escolas da floresta), quintais, vivências, desemparedamento, entre outros termos, tornaram-se uma moda pela Europa e estão tornando-se também nas grandes cidades do Brasil. Em vez de moda, a vida ao ar livre poderia voltar a ser o modo de vida.

Em um valioso estudo sobre a Educação pela Natureza, Soares (2016) remonta a trajetória da educação, sobretudo na sociedade brasileira, a partir do início do século XX, em busca de cada vez mais ar livre no contexto da crescente transformação urbana e social na cidade de São Paulo. No início do século, havia uma competição no rio Tietê, a “Travessia de São Paulo a nado”, que teve edições entre 1932 a 1944, quando ficou impraticável mergulhar no rio. A urbanidade separou o humano da natureza, de uma natureza rude para uma outra natureza dominada, criando outros modos de vida nas grandes e nas pequenas cidades.

A natureza da escola é o ócio, momento de criação e reflexão, pois a escola se faz no movimento de cada educadora e educador na prática educativa. O movimento interno, ainda que o corpo esteja imóvel, é o apreciar: essa é a educação do sensível pela Natureza. Para Paulo Freire (2013) todos aqueles que convivem em sociedade são, de algum modo, educadores e, dentro deste contexto, incluiremos aí a Natureza. Para os povos originários de Abya Yala (Terra Viva, sinônimo de América) esse modo de vida é um conceito conhecido como sumak kawsay e suma kamanã (bem viver) e nesse contexto a Natureza é um sujeito de direitos, portanto uma pessoa

A frase “escola são pessoas” é repetida pelo professor José Pacheco e ressoa em mim cotidianamente, principalmente quando se refere ao antropólogo e educador Tião Rocha que fez uma escola debaixo de uma mangueira, que nem edifício tem. Essa ideia dá base para o conceito de “comunidades de aprendizagem”. A floresta não nos ensina o que sabe, transmite-nos o que é.

Se a Natureza é uma pessoa e escola são pessoas então, num contexto comunitário, pode aquela ser uma escola e esta ser uma floresta? O movimento e a interação entre esses sujeitos inspira-nos a aprender.

“Educar” é uma palavra que carrega o sentido latino de conduzir (ducere) equivalente ao sentido de “pedagogo”, palavra de origem grega que liga paidos (criança) e agogôs (que guia). Será cabível uma interpretação desse termo por “criança que guia”, “que se movimenta”, em vez de apenas “aquele (adulto) que guia a criança”? Por sua vez, “conduzir” e “guiar” são sinônimos de movimento, ir de um lugar para outro, amparar, ir junto. Diferente da ideia de parar, parado, sentado, inerte, sem reação. E porque será que essas últimas palavras são por vezes sinônimos de “sala de aula”, virtuais ou não, em muitos contextos educativos? A natureza é movimento. 

Segundo Serres (1990), a Declaração dos Direitos dos Homens deriva do direito natural e “deu a qualquer homem, em geral, a possibilidade de aceder a esse estatuto de sujeito de direito”, porém, o feminino, a Mãe Natureza foi deixada de fora desse contrato social. A educação sobre/no/para/com o meio pressupõe uma externalidade do ser humano do centro da “natureza das coisas” ou o “ambiente” e, paradoxalmente, o “meio” ambiente, semanticamente, é aquilo que está ao redor e não no centro, dentro de nós. No entanto, sobremodo sobram aqui preposições e falta, contudo, uma preposição no feminino – “pela” -, acrescentando um novo sujeito (ou sujeita) num novo contrato, não sendo este apenas social, mas, sobretudo, natural, abrindo-se, assim, um outro modelo que busca uma transgressão da Educação Ambiental e da Educação para o Desenvolvimento Sustentável: a Educação pela Natureza

A educação desemparedada molda atitudes e internaliza valores tão profundos quanto subjetivos como, por exemplo, as regras sociais e os processos educativos dos povos originários, aqueles que têm a floresta como casa, como escola, como mestra e guardiã da sabedoria ancestral. No contexto das escolas públicas e privadas brasileiras, toda essa teoria na prática é outra. Ensinar a muitos como se fossem um só já era premissa. Agora, os educadores sequer conheceram todas as crianças ao vivo, apenas pela tela. A pedagogia da pandemia, alicerçada na relação remota, torna cada vez mais exótico o rude e aquilo que não é dominado, controlado e fichado. Lá fora a prática é outra. A floresta educadora nos transmite o movimento (mesmo aquele dentro de nós, os desejos), a sua dinâmica. E nós aprendemos com ela a sobreviver na abundância, na colaboração, na cooperação e nos ciclos da vida. O que você aprendeu com a Natureza?

Rafael Cruz

Rafael Crooz (em artes) é pai, mestre em Educação e Sociedade – ISCTE/IUL, bacharel em Interpretação Teatral – UNIRIO, assessor institucional do Centro Universitário de Barra Mansa-UBM e sócio fundador das Associações Escola da Floresta Forest School Portugal e da Keti Keta Associação pela Cooperação com a Natureza. É membro do movimento Românticos Conspiradores e do Núcleo à Margem de criação cênica. Move, juntamente com a arte educadora Ana Letícia Penedo o canal @floresta_educadora no Instagram e Youtube.

* A opinião retratada no texto não reflete necessariamente do programa Criança e Natureza