A vez e a voz de todas as crianças

23 nov A vez e a voz de todas as crianças

Em setembro deste ano, a equipe do Programa Criança e Natureza realizou uma Missão Técnica, organizada pelo Alana, em Freiburg, na Alemanha, com mais 17 profissionais de diferentes áreas, comprometidos com o tema  criançanatureza e cidades, onde foi possível conhecer uma das cidades biofílicas mais reconhecidas do mundo e vivenciar de perto o cotidiano dos cidadãos.

IMG_0003Dentre os diversos encontros, conhecemos a jovem Josephine Hebling, de 17 anos, moradora do bairro de Wiehre, Freiburg. Atualmente ela é membro do Conselho de Crianças e Jovens da Deutsche Kinderhilfswerk, associação independente atuante em toda Alemanha, que interage regularmente com a prefeitura e a câmara local. Sua atuação começou na 6ª série, depois de participar de uma “Oficina dos Sonhos” para pensar nas melhorias que ela gostaria para sua cidade. Foi a partir dessa experiência que o Conselho foi montado. Ela nos contou sobre sua experiência e aprendizados nessa trajetória. Confira o depoimento abaixo!

Sobre sua motivação

Na série, minha professora de classe distribuiu alguns folhetos na escola que falavam sobre uma oficina que seria realizada, para imaginarmos como poderia ser o futuro da cidade, como você se vê no futuro. Com isso eu pensei: “Bom, eu quero muito mudar, mesmo, as coisas dessa cidade. Há muitos lugares bonitos que eu gosto, mas tem muitas coisas que precisam mudar também.

Sobre sua participação na Oficina dos Sonhos e no Conselho das Crianças

O workshop (Oficina dos Sonhos)  durou 3 dias, foram 60 crianças e a gente pensou, em grupo, o que queríamos mudar. Os lugares que a gente gosta… coisas que são boas aqui e coisas que não são muito boas. Muitas coisas surgiram sobre mobilidade, sobre escola, sobre tempo livre. Uma coisa que foi levantada como tema pelas crianças é que eles não queriam um projeto só, mas uma voz constante na cidade, que estivesse sempre um diálogo com a política.

WhatsApp Image 2017-09-12 at 20.21.15A coordenadora dessa Oficina falou que a nossa voz tinha que ser ouvida, então surgiu a ideia de formarmos um Conselho das Crianças. Todas as crianças se encontraram de novo para pensar coisas do tipo “Será que é para mim?”, “Será que eu quero ser um conselheiro?”, “Será que eu vou ter coragem de falar com o prefeito da cidade?”.

Eram sete áreas em que as crianças participantes desse projeto de futuro poderiam se engajar e, aí, seriam sete representantes, um para cada assunto. Era um projeto que ninguém sabia exatamente o que ia dar, ou quanto tempo ia durar, o que exatamente iríamos fazer…

Como grupo, ficamos pensando nos resultados dessa pesquisa de futuro e fomos apresentar para o Prefeito. Conversamos diretamente com ele sobre como poderíamos mudar.

Sobre os impactos da participação no Conselho das Crianças para sua vida

Quando eu olho para trás e vejo que eu fui, durante quatro anos, conselheira das crianças, preciso dizer que foi um projeto de muito sucesso. Eu não consigo me imaginar em um momento melhor do que nesses quatro anos. Eu acho que isso vai influenciar o resto da minha vida.

Sobre como as crianças são envolvidas

Há 3 passos que a gente precisa pensar quando quer envolver crianças:

A gente precisa mostrar para eles que eles podem mudar alguma coisa. Eles sempre querem mudar alguma coisa, mas vocês devem dizer que eles podem mudar, dar essa coragem pra eles.

É a fase da participação, de trabalhar as ideias das crianças, de ter diálogo político.

frieburg_crianças Esse é o passo mais importante. Depois que os projetos forem implantados, as crianças vão sempre perguntar para você: “valeu a pena a minha participação?”. É preciso contar às crianças como foi a participação delas e como elas impactaram.

Sobre o desafio da implantação dos projetos

Nos anos em que eu fui conselheira, a gente tinha alguns projetos pequenos… A gente construiu uma faixa para atravessar a rua na frente da escola, renovou parquinhos, informou outras crianças sobre os direitos das crianças e também possibilitou que o espaço de brincadeiras de criança na escola não fosse ocupado por outros prédios (como previa um projeto de reforma). O problema é que os políticos não queriam muito… a gente precisou conversar, cavar o nosso lugar e mostrar que a escola era nossa.

Sobre a ampliação do raio de ação do Conselho

O Conselho era municipal, só para a cidade, e ficou claro muitas vezes que a gente poderia ter a possibilidade de ampliar essa voz. Agora trabalhamos nacionalmente, através do Conselho de Crianças e Jovens da Deutsche Kinderhilfswerk. Encontramos crianças de outros estados, perguntamos “o que vocês querem mudar?”, e trabalhamos com essas crianças. Os estados aqui são responsáveis pela educação e podem definir, por exemplo, quanto tempo as crianças ficam na escola ou o que elas devem aprender. Eles também cuidam da infraestrutura das escolas.

Eu achei muito interessante ter contato com essas crianças, ver as experiências que elas tiveram… e aí crescemos mais um nível e começamos a ser ativos nacionalmente. A gente se candidatou para os projetos também no nível federal, para mudarmos essas cidades. Nos dividimos em três grupos e cada grupo trabalhou um tema diferente. Eu trabalhei bullying. Teve grupo que trabalhou racismo, tempo livre, esfera privada, cada um já tinha tido uma experiência com esses temas.

Sobre o Conselho das Crianças na ONU e a continuidade da sua participação

A gente não trabalhou de forma tão adequada assim para crianças. Mas tiramos muitas fotos, fizemos filmes, Power Point… e, depois, cada um dos representantes desses temas foi à Organização das Nações Unidas apresentar, na frente da convenção, quais eram os pontos de vista em relação a cada um desses temas.

Eu fui uma dessas que tiveram a sorte de ir, e pude conversar com as pessoas e discutir de igual para igual sobre as coisas que me incomodavam. A partir daí, começou a tomar corpo o que era o direito das crianças. Começamos a trabalhar em vários projetos em nível municipal, nacional e estadual. Desde então eu participo de muitos projetos, 3 ou 4 vezes por ano, e converso com políticos diretamente sobre o que precisa mudar.

Sobre os desafios encontrados pelo caminho

Parece que tudo o que eu estou falando é perfeito. Deveria ser assim,… na verdade foi mesmo muito bom. É claro que a gente teve algumas experiências ruins, por exemplo quando a gente não se sentia ouvida ou levada a sério… especialmente com alguns  políticos/tomadores de decisão que querem ser autoritários e não ouvem a voz das crianças que, em sua visão, “custam mais dinheiro para a cidade do que contribuem”. A gente tem que se aproximar de adultos que levam a gente a sério, que querem ouvir o que temos para dizer.

IMG_4076Quando a gente contou que esse Conselho iria durar muito tempo, porque somos muitas crianças, a gente ouviu falar de um outro conselho de crianças e adolescentes que faz parte de uma organização onde participo. E a coordenadora desse projeto me perguntou se eu gostaria de ir à assembleia da ONU de novo, para falar nas comissões pelos direitos das crianças, porque eu tinha gostado tanto da última vez que eu fui.

Sobre os sentimentos e aprendizados

Os políticos me receberam muito abertamente e ficaram muito felizes em ter um diálogo com uma jovem como eu. A gente nota que os políticos na verdade gostam desse diálogo, porque percebemos que eles não sabem o que está acontecendo de verdade no país.

Na ONU existem dois relatórios falando disso. Um desses relatórios está sempre maravilhoso, dizendo que tudo está ótimo. O outro, de instituições não-governamentais, na maioria das vezes é mais crítico.

Ainda tem também outra contribuição, que é ser representante das crianças. Não há um relatório específico, mas é um espaço de voz que complementa essas reuniões. As crianças não precisam ir até lá, mas uma criança de três anos, por exemplo, pode fazer um desenho e mandar.

Essa é a experiência que eu tive até agora e eu posso garantir para vocês que, quando uma criança é levada a sério, ela cresce com um olhar diferente sobre o mundo. Tem muitos adultos que não levam a sério as crianças, porque eles acham que as ideias das crianças não são convenientes para eles. A gente precisa conviver com isso.