Comentário geral 26: proteção global para as crianças e para o clima

Programa Criança e Natureza colabora com documento da ONU que cria recomendações e diretrizes para que países, empresas, juízes e sociedade garantam os direitos da criança e do meio ambiente, com foco em mudanças climáticas
Criança desenhando com giz colorido o planeta Terra em um caderno.

18 abr Comentário geral 26: proteção global para as crianças e para o clima

Em 2022, a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (Organização das Nações Unidas) completa 32 anos. Esse é o tratado de direitos humanos mais aceito da história, ratificado por 196 países, e tem por objetivo proteger crianças e adolescentes globalmente. O monitoramento da sua implementação por parte dos Estados que o assinam é realizado pelo Comitê dos Direitos da Criança, composto por 18 especialistas independentes. Uma das responsabilidades desse Comitê é publicar documentos com recomendações para orientar governos, empresas, sistema jurídico e organizações e a sociedade civil sobre os diferentes temas de que trata a Convenção. Esses documentos são chamados de Comentários Gerais. 

Neste ano, o comitê está elaborando o Comentário Geral Nº 26, que trata sobre os Direitos da Criança e o Meio Ambiente, com foco especial nas Mudanças Climáticas. O programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, vem colaborando com a organização do comentário, para garantir que o direito de todas as crianças e adolescentes a um meio ambiente ecologicamente equilibrado seja garantido com prioridade absoluta, como já determina a nossa Constituição Federal.

Entenda como são construídos os comentários, qual é a sua importância e quais foram os principais pontos de destaque com os quais colaboramos!

Por que os Comentários Gerais são importantes?

Ao organizar diretrizes e fazer recomendações, os comentários gerais orientam governos,  empresas, sociedade civil e o sistema jurídico para atuar na proteção dos direitos das crianças e adolescentes. Eles ajudam a dirimir dúvidas jurídicas e a ratificar políticas públicas. O comentário geral 12, por exemplo, que tratou sobre livre brincar, teve grande incidência sobre a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aqui no Brasil. O Comentário Geral Nº 26, que está sendo elaborado agora, vai oferecer caminhos para garantir que as crianças vivam em um mundo limpo, verde, saudável e sustentável. A expectativa é concluir o documento até 2023.

Quem ajuda a formular esses comentários?

O Comitê dos Direitos da Criança abre uma consulta pública, convidando tanto pessoas físicas (inclusive crianças!), quanto organizações de todo o mundo a responderem perguntas e enviem suas sugestões, dados técnicos, prioridades e possíveis soluções. O Instituto Alana já colaborou com outros Comentários Gerais e, neste ano, está contribuindo novamente. Na primeira etapa, houve um questionário com quatro tópicos sobre direitos da criança e impactos da crise ambiental.

Que pontos levantamos para serem incluídos no Comentário Geral?

1.Racismo ambiental: as crianças e adolescentes do Sul Global são as mais afetadas pela crise socioambiental e climática provocada pelas ações e omissões de países e empresas.
De 163 países de um ranking elaborado pela UNICEF sobre riscos ambientais e climáticos para as crianças, o Brasil está em 70o lugar, apresentando um indicador elevado e muito preocupante de 7.3 (até 10). Altas temperaturas, aumento do nível do mar, inundações, deslizamentos de terra e chuvas fortes impactam uma série de direitos das crianças e são reforçados em áreas urbanas periféricas e de maior vulnerabilidade socioeconômica. No Brasil, crianças pobres e negras são as mais afetadas por inundações e deslizamentos resultantes das alterações no clima. Já crianças de países do Norte Global têm maiores chances de sobrevivência e bem-estar, embora esses países sejam justamente os que mais contribuem com as emissões de gases que aquecem o planeta, ameaçando o futuro de todas as crianças no mundo. Sugerimos, portanto, que o Comitê inclua como fator relevante as dinâmicas desiguais resultantes de práticas coloniais entre o Norte e o Sul Global, e que considere:

1. o aumento prioritário de investimentos em mitigação, adaptação climática e resiliência de serviços-chave para crianças no Sul Global;

2. a redução de emissão de gases do efeito estufa por parte de Estados e de empresas transnacionais, sem uso de duplo padrão ou de práticas injustas de comércio; 

3. a promoção de educação climática e ecológica vinculadas às culturas e identidades locais das múltiplas infâncias; 

4. a inclusão do melhor interesse de crianças e sua participação direta, especialmente das mais vulneráveis e de povos tradicionais, em todas as negociações e decisões climáticas;

5. a garantia de uma recuperação da pandemia de Covid-19 de forma sustentável, com baixo carbono e de forma inclusiva.

2. É preciso tratar dos impactos da poluição do ar sobre crianças e adolescentes
No Brasil, boa parte da poluição do ar – que afeta mais gravemente crianças e adolescentes e acelera também as mudanças climáticas – é proveniente das queimadas, associadas ao desmatamento na Floresta Amazônica e em outras áreas preservadas, além das emissões de veículos que usam combustíveis fósseis. Nosso país não adota os padrões de qualidade do ar recomendados pela Organização Mundial da Saúde. E apenas 6 de nossos 27 Estados e o Distrito Federal atendem ao regulamento vigente, que é muito permissivo. Vinte Estados sequer realizam monitoramento, ou o fazem de modo ineficiente. A Organização Mundial da Saúde acaba de divulgar um extenso levantamento sobre poluição do ar e o resultado não é nada animador: 99% da população mundial respira ar com concentrações de poluentes acima do recomendado. Solicitamos o destaque desse tema pelo Comitê, como problema central a ser enfrentado em todo o mundo.

Criança sentada sobre solo seco e rachado, observando o que restou de água. 3. A necessidade de garantir acesso à natureza, à segurança alimentar e a água potável para todas as infâncias

Brincar ao ar livre e ter contato com a natureza traz benefícios para a saúde, o bem-estar e é essencial para o desenvolvimento integral das crianças. Por isso, é preciso reconhecer o direito de crianças e adolescentes terem acesso a áreas verdes, especialmente em centros urbanos. O direito das crianças à segurança alimentar e a água potável também sofre ameaças com as mudanças climáticas, já que elas impactam a agricultura e o abastecimento hídrico. Dados revelam o estrondoso crescimento da situação de insegurança alimentar no Brasil, bem como em outros países do Sul Global, especialmente em famílias com crianças, pessoas negras e nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil. Estudo da UNICEF mostrou que 13% das crianças brasileiras deixaram de comer na pandemia. Também existem frequentes crises de abastecimento e uma precária rede de saneamento básico, o que prejudica desproporcionalmente as crianças, com a proliferação de doenças e a interrupção escolar.

4. O cuidado especial necessário com os direitos de crianças indígenas
As crianças indígenas são o grupo mais afetado pelo desmatamento, pelas queimadas, pela contaminação com mercúrio, pela poluição do ar, pelas mudanças climáticas e pelas violações de direitos territoriais. Por isso, sugerimos um olhar prioritário e específico para as crianças de povos e comunidades tradicionais, especialmente de povos originários, para a garantia dos seus direitos à propriedade e proteção territorial; políticas públicas de saúde, assistência social e educação; proteção contra toda forma de violência e exploração, como a gerada por conflitos de terras e garimpo ilegal; e o direito à cultura, ao patrimônio e à própria história vinculada aos ambientes em que vivem. Essa proteção aos povos indígenas, para além da preservação da sua vida, memória e identidade, é essencial também para o planeta do ponto de vista ambiental e climático. Ela diz respeito à memória de todos os brasileiros e brasileiras que podem encontrar nas florestas, suas árvores e solo manejados e manuseados pelos habitantes ancestrais, o futuro e a esperança para a solução dos conflitos socioambientais do presente.

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