Juntos, na natureza, crianças e adultos celebram os encontros

05 out Juntos, na natureza, crianças e adultos celebram os encontros

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Série de entrevistas por Mariana Sgarioni

No início, ela só queria arrumar companhia para brincar com o filho ao ar livre. Três anos depois, Tamara Azevedo reúne um mailing de mais de 40 famílias dispostas simplesmente a estarem juntas na natureza

De que maneira você se relaciona com seus filhos? Seus amigos? Seus vizinhos? E seu trabalho? Estas perguntas sempre povoaram a mente da santista radicada em São Paulo, Tamara Azevedo. Não deve ser por acaso que seu filho mais velho, Rodrigo, de 8 anos, nasceu com um enorme potencial de socialização: sua impressionante capacidade de interação levou Tamara a pensar em um jeito de trazer mais crianças para perto dele. “As pessoas em São Paulo não são super disponíveis para encontros. Muito menos em espaços públicos, com a natureza ao redor”, diz Tamara, que é bióloga por formação e hoje trabalha como facilitadora de grupos na Cocriar.

Foi então que, há três anos, começou um trabalho solitário: um mapeamento de praças e parques paulistanos escondidos. Pracinhas de bairro, bosques do entorno. A partir daí, lançou a idéia para famílias conhecidas de piqueniques na natureza uma vez por mês. Listou os interessados e, sem muita pretensão, passou a avisar a todos sempre que resolvia conhecer um parque novo. No início, não havia muita adesão – mas ela não desistiu porque percebia o efeito de alegria e plenitude que o passeio causava no filho.

Hoje, seus piqueniques viraram mais que um sucesso: são um ponto de encontro. Sua lista de mais de 40 pessoas, entre crianças e adultos, promove o prazer de estar juntos ao ar livre. Tanto que muita gente chega a ligar para ela perguntando quando será o próximo. “Eu apenas aviso onde estaremos e o povo aparece. Não se trata de um projeto, é um comportamento. Vale pensar: o que você escolhe de passeio para fazer com seus filhos?”, diz.

A seguir, Tamara conta os benefícios desses encontros, e como cada um de nós pode fazer o mesmo movimento.

Qual a importância da natureza nas relações?

Estudei em uma escola em São Paulo que foi uma das primeiras a ter um projeto pedagógico de educação ambiental consistente – não exploravam a conexão com a natureza por si, mas sim de que maneira a natureza forma um cidadão. Fazíamos excursões a parques lindos no Brasil, no meio do mato. O efeito nos adolescentes, além do encantamento, era de transformar suas relações com os outros. Aumentava a presença no aqui e agora, diminuía o consumismo, melhorava as percepções. Eu me lembro de uma viagem ao cerrado em que, num primeiro momento, tudo aquilo não passava de um monte de capim. Era como se não tivesse nada a ser visto. Pouco a pouco fomos percebendo que toda a riqueza estava ali, nós é que não enxergávamos. Assim é a vida, né?

Em São Paulo, parece que a gente realmente não vê essa riqueza natural…

Mas tem sim! O paulistano não usa os espaços públicos – as pessoas preferem ficar dentro do condomínio ou no shopping center. Entretanto, São Paulo tem natureza de qualidade, parques e praças lindíssimos que ninguém usa. As pessoas só vão ao Ibirapuera ou ao Villa-Lobos, que é cheio de concreto. É preciso sair dos parques óbvios, ir para pracinhas de bairro, usá-las. É só ir andando e olhando. Agora mesmo, enquanto estou falando com você, acabei de achar uma praça vazia, cheia de árvores. [risos].

Conte um pouco como você faz para achar esses tesouros e como você leva tanta gente pra lá.

Não tenho uma estratégia ou projeto. Só olho. Outro dia fui pra uma reunião e achei uma praça perto do Villa Lobos, sem ninguém. Há três anos eu comecei a fazer esta pesquisa informal. Depois de listar possíveis lugares, formei um grupo de whatsapp com famílias interessadas. Uma vez por mês pego meus filhos [Rodrigo, de 8 anos, e Cauã, de 3 anos e meio] e vou fazer um piquenique. E apenas aviso as pessoas que estaremos lá. A turma vai.

Por que você resolveu fazer isso?

Meu filho Rodrigo é um ser humano super sociável, tem uma capacidade de se relacionar com as pessoas muito grande. Sempre percebi que ele precisava de amigos por perto. E também precisava de sol e de mato – percebia o efeito que isso tinha nele, de alegria e plenitude. Até hoje ele acaba de almoçar, pega seu potinho de sobremesa e vai comer no quintal…[risos]

Comecei a passear em praças e parques no entorno, mas era tudo meio sem graça, porque ele também queria encontrar outras crianças. Eu tentava marcar, mas todo mundo tinha mil compromisssos, ninguém topava. Até que organizei esse grupo. Quando vou, aviso. Já aconteceu de não ir ninguém. Ou de virar uma festa, com mais de 20 pessoas.

Como você faz?

Eu aviso assim: “Levem seus comes, bebes, e vamos!”. Só. Atualmente devo ter umas 40 famílias cadastradas. Em cada piquenique devem ir, em média, umas oito famílias. Muitas vezes as pessoas me ligam cobrando: “Ei, você não vai organizar um piquenique?”. Na escola das crianças, eu virei “a mãe do piquenique”. [risos] Teve uma mãe que resolveu fazer uma festa numa praça e veio dizer que foi por minha causa… Foi incrível porque não gastou dinheiro e a festa foi melhor. Tem gente que mora fora e me pede para organizar um piquenique para rever os amigos. É incrível como a natureza promove a união.

Por que as pessoas não vão espontaneamente?

Talvez porque precisem de alguém que convide, que organize. Não sei. Eu vou com o espírito da surpresa, saio sem expectativa: já aconteceu de não ir ninguém ou então de ir gente que nunca imaginei que encontraria. Nos piqueniques, o eixo são as relações. Os adultos sentam e conversam, as crianças brincam em volta. A diversão é com simplicidade. A natureza dá conta de preencher a brincadeira, não precisa levar brinquedo. Um pedaço de galho vira um monte de coisas. Na estante da minha casa tem umas cascas de leguminosas que meu filho pegou pra enfeitar (eram barcos). Outro dia, ele fez estilingues de galhos. Foi ele quem enxergou um brinquedo nestes objetos.

Qual a principal dificuldade que você encontra?

Cachorros… [risos]. Os donos de cachorros soltam seus animais nas praças e nem sempre eles estão acostumados com ambientes de grande espaço, por isso acabam assustando as crianças. Atropelam o piquenique, as crianças ficam com medo e realmente atrapalha. Não culpo o dono do cachorro, pois os bichos também precisam conviver harmonicamente em espaços públicos, mas a maioria vive confinada, o que não é legal. Quando são soltos, causam esse alvoroço.

É difícil reunir tanta gente?

Todo mundo pode fazer isso. Não tenho um projeto, tenho um comportamento. O que você escolhe de passeio para fazer com seus filhos? As crianças se irritam confinadas. Se você quer que elas fiquem leves, não briguem, elas precisam se mexer, de espaço para se mover, para correr livremente. Ter em volta seres vivos, árvores, faz toda a diferença. Se você está em conexão com plantas e animais está se reintegrando com a sua origem. Juntar pessoas com esses interesses em comum hoje em dia é fácil: tem e-mail, tem whatsapp. O negócio é não ter expectativa – meu único objetivo é oferecer uma qualidade de convívio social melhor para meus filhos. Só. O resto acontece naturalmente.

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