Precisamos de uma cidade inteira brincante
E foi na implementação desse projeto da Prefeitura de Freiburg que entra na história a Bagage (site em alemão), uma oficina de ideias pedagógicas que reúne uma equipe interdisciplinar com arquitetos, pedagogos e sociólogos. A associação planeja e constrói espaços para o brincar livre pela cidade de Freiburg. Visitamos o escritório deles, que fica em uma antiga fábrica, que foi ocupada na década de 1970, durante o período de mobilização contras a instalação das usinas nucleares. Hoje o espaço se chama Fabrik e reúne outras organizações, comércios e uma pré-escola. Na área externa da Fabrik já nos deparamos com pequenas intervenções da Bagage, uma cobra de argila no estacionamento das bicicletas, uma porta com rosto, um caracol feito de mosaico, areia, pedra e água, tudo à disposição das crianças que circulam por lá e que nos apresentam pistas de como pode ser a composição de uma cidade lúdica.
A Bagage também é procurada por escolas para repensar os espaços ao ar livre. A equipe avalia o que já existe e se possível trazem apenas elementos naturais ao ambiente. O plano começa com uma conversa dos pedagogos da Bagage com a equipe escolar e com as crianças. Com a ideia pronta, todos participam da implementação.
Udo Lange, diretor da Bagage, nos mostrou os diferentes projetos que eles já realizaram, «a cidade serve para a aventura. A gente não precisa só de parques, precisamos de uma cidade inteira brincante, esse é o futuro», comentou. A associação propõe ideias criativas, que misturam mobiliários e elementos da natureza, o plantio de arbustos, a preservação dos relevos acidentados, um desvio do rio, são algumas das iniciativas. Udo procura priorizar sempre os espaços naturalizados, se trata de uma arquitetura viva, que muda ao longo do tempo, afinal “o paraíso não é mobiliado”. Mas quando há o pedido por equipamentos, eles optam por uma linguagem com formas e cores que trazem uma perspectiva mais lúdica.
“A chance para uma infância feliz depende da qualidade dos espaços. E não precisam ser lugares muito planejados, as crianças podem se apropriar deles e transformá-los”, sugere Udo. Deixar restos de entulhos em praças, por exemplo, é revelador. “As crianças precisam de coisas para brincar e não de brinquedos prontos”.
Saímos da Fabrik e fomos percorrer a cidade a procura de algumas praças. No meio do caminho, Udo nos mostrou um parquinho vazio e com equipamentos regulares. “As construtoras criam esses ambientes como uma contrapartida para a cidade, mas de que adianta fazer algo onde as crianças não vão?”, questionou. Chegamos ao destino final, uma praça grande onde há 20 anos foi implementado um projeto com a participação das crianças. Udo nos contou que no meio da praça havia um buraco, resultado da explosão de uma bomba da Segunda Guerra Mundial, algo que foi mantido no projeto original da praça. Infelizmente, recentemente a Prefeitura tirou o buraco e parte da vegetação, alegando falta de segurança.
Apesar de todo o apoio do município, há ainda alguns entraves quando se trata de segurança. A participação articulada das diferentes secretarias municipais foi fundamental para implementar as mudanças nas praças e espaços da cidade, mas muitas regras de segurança acabaram desconfigurando algumas propostas.
Mais tarde visitamos uma pré-escola no bairro de Vauban que também recebeu a consultoria da Bagage. O diretor da escola, Dominique, nos disse que as crianças passam mais tempo do lado de fora e livres para criar. E de preferência os materiais usados na natureza, são materiais da natureza. De um lado da escola há um espaço naturalizado, com lama, água, pequenos esconderijos feitos de galhos. Do outro, mobiliários também planejados pela Bagage. Udo indagou: adivinha onde as crianças preferem ficar? A resposta: no espaço natural.
Conhecer a atuação do Udo e da Bagage nos mostrou que seu trabalho, do começo ao fim, está comprometido em garantir uma cidade acolhedora e amigável para crianças. Permitindo que elas se apropriem desde de cedo dos espaços públicos. O trabalho da Bagage respeita e, acima de tudo, honra a infância.