Perigoso mesmo é confinar as crianças dentro de casa

01 Oct Perigoso mesmo é confinar as crianças dentro de casa

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foto: Lorena Mossa

No mundo em que vivemos, as transformações no estilo de vida acontecem tão rapidamente que, se não pararmos para refletir sobre certos condicionamentos, corremos o risco de criar problemas onde na verdade haveria soluções. É assim com um crescente medo, entre os adultos, de um contato real de suas crianças com a natureza, os espaços abertos e o brincar.

Segundo o inglês Tim Gill, autor de Sem medo: Crescer numa sociedade com aversão ao risco, que acabamos de disponibilizar na nossa Biblioteca, em apenas 30 anos, atividades que antes faziam parte da infância foram sendo taxadas de perigosas, sugerindo que os adultos que as permitem são irresponsáveis.

Mas será que a irresponsabilidade não está exatamente nesse excesso de zelo? Nessa “aversão ao risco”? Afinal de contas, como é que eu vou saber onde estão os perigos se nunca os experimentei? Como saber se aquele galho é forte o suficiente para me apoiar, se nunca subi em uma árvore? E como vou aprender a levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima?

A criança que enfrenta riscos aprende a respeitar ou superar seus medos, torna-se mais segura ao perceber que é capaz de se defender e descobre que é forte o suficiente para se curar de um machucado. E, com ajuda dos adultos, aprende a diferenciar os riscos reais dos medos imaginários. Esse aprendizado, que só acontece na experiência real, vai sendo levado para as muitas situações por toda a vida. E a natureza é, para a criança, o melhor lugar para se preparar para os desafios do mundo adulto.

Em No Fear; Growing up in a risk averse society Tim Gill faz uma análise bastante abrangente dos temas de dialogam direta ou indiretamente com o que chama de “aversão ao risco” e suas consequências de longo prazo para a vida em sociedade.

No primeiro capítulo, o autor faz uma leitura abrangente do contexto em que esse sentimento vem sendo construído. Os horizontes cada vez mais curtos em que vivem as crianças, em contraponto aos benefícios de curto, médio e longo prazos quando se aprende a correr riscos na infância; as causas da aversão ao risco, incluindo condicionantes sociais, políticos e até econômicos do tema, e como estes reforçam determinadas crenças.

E como são os playgrounds? O autor faz uma análise histórica do surgimento e das transformações das áreas destinadas ao brincar, em função da ideia de segurança absoluta. Gill explora com profundidade esse tema e conclui que, embora as iniciativas para garantir a segurança dos espaços e equipamentos tenham tido o mérito de reduzir acidentes, a ideia de proteção se tornou mais importante que o próprio brincar.

Gill faz também uma importante análise de como essa aversão social ao risco impacta o comportamento das crianças. Ele argumenta que, se por um lado, os poucos registros de acidentes mais graves acabam por condicionar padrões de segurança radicais, por outro lado há pouca ou quase nenhuma preocupação em discutir como a aversão ao risco impacta negativamente o desenvolvimento das crianças e compromete os benefícios que brincar e vivenciar riscos proporcionam para a vida toda.

Outra abordagem importante deste livro é a de como mudanças culturais e sociais influenciam uma compreensível aversão ao risco entre os pais. E, por outro lado, como o excesso de regulamentação legal da infância acaba por levar profissionais como professores ou cuidadores ao pavor de serem legalmente culpados pelas consequências de um acidente com uma criança que esteja sob sua responsabilidade. Gill também reserva um espaço deste capítulo para explorar a influência dos meios de comunicação na crescente aversão ao risco.

No último capítulo, o autor reconhece que existem algumas frentes públicas de ação no sentido de reconhecer a importância de uma infância mais livre e de tornar as comunidades e espaços públicos mais amigáveis para o as crianças. Apesar desse tema não ser tratado com a mesma importância que outros como economia e competitividade, começa a haver um reconhecimento de que é necessária uma nova abordagem sobre o papel do risco na infância em duas direções principais: a primeira diz respeito à necessidade de pensar as cidades sob a ótica das demandas da infância; a segunda, e talvez mais importante, sobre a urgência de adotar uma filosofia de resiliência em substituição à filosofia da proteção.

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