“Escolas com mais natureza significam mais saúde, principalmente saúde mental”

A americana Jaime Zaplatosch Ehrenberg lidera um programa global para incentivar a naturalização de espaços escolares e a aprendizagem ao ar livre
Jaime Zaplatosch Ehrenberg, da ONG americana Children & Nature, uma mulher branca, de cabelos castanhos, que usa um óculos escuro como se fosse uma tiara e sorri

18 set “Escolas com mais natureza significam mais saúde, principalmente saúde mental”

Jaime Zaplatosch Ehrenberg trabalha com parceiros ao redor do mundo para desenvolver e implementar iniciativas e políticas que incluam mais natureza nas escolas e promovam aprendizagem ao ar livre. Vice-presidente sênior da organização Children & Nature Network, ela coordena o programa “Global Lessons on Greening School Grounds and Outdoor Learning” (Lições Globais por Escolas mais Verdes e Aprendizagem ao Ar Livre).

Nesta entrevista, ela explica como surgiu o projeto, que envolve líderes globais e profissionais de diversas áreas na construção de redes de organizações e indivíduos para identificar estratégias escaláveis. “Há um impulso crescente em todo o mundo pela naturalização dos espaços escolares. Essa estratégia leva em conta tanto a adaptação e a resiliência diante da crise climática, quanto melhorias para a saúde e a educação das crianças. Se é vital que as crianças tenham contato com a natureza todos os dias para crescer, brincar e aprender, as escolas precisam fazer parte da solução”, diz Jaime.

Por Carolina Tarrío

Como surgiu a ideia de iniciar um projeto global para naturalizar as escolas e promover a aprendizagem ao ar livre?

Advogar pela naturalização dos espaços escolares e por aprendizagem ao ar livre é algo que acontece há muitos anos, mas ainda não é tão generalizado. Conversando com um potencial financiador, ele pediu exemplos de diferentes países e continentes, e então percebemos que não tínhamos a noção completa do que estava acontecendo globalmente. Aí surgiu a ideia de fazer um levantamento e alguns estudos de caso. Em parceria com o Seminário Global de Salzburgo, a Comissão de Educação e Comunicação da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e o ISGA (International School Grounds Alliance – Aliança Internacional de Espaços Escolares) iniciamos um levantamento e selecionamos casos para estudar mais profundamente. A ideia é inspirar e fazer o movimento crescer. 

Quantas iniciativas foram mapeadas? Os resultados surpreenderam de algum modo?


Num primeiro momento, soltamos  um questionário e coletamos cerca de 230 respostas, que iam desde ações mais individuais até experiências escaláveis. Então, focamos em iniciativas que tivessem pelo menos três escolas envolvidas, para assegurar a possibilidade de serem replicadas. A pesquisa ainda está aberta, pessoas ou instituições com casos interessantes de naturalização de espaços e aprendizagem ao ar livre podem se cadastrar neste link. Agora, temos cerca de 330 respostas.  O mapeamento foi interessante para ver onde havia lacunas. Encontramos poucas iniciativas na América Central, por exemplo. E também no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, com exceção da Índia. 

Vocês escolheram algumas iniciativas para estudar mais a fundo. Qual foi o critério para selecionar as 13 que resultaram em vídeos e as que participaram de um encontro em Salzsburg?

Queríamos diversidade geográfica, política, econômica e ambiental. Então, levamos isso em conta, e também ações que trabalhassem dentro destes cinco eixos dos espaços naturalizados e da aprendizagem ao ar livre: brincar; saúde e bem-estar; clima, resiliência climática e biodiversidade; engajamento comunitário e educação. Queríamos ter certeza de que haveria exemplos que ressoassem, considerando as diferenças, para que pessoas de diferentes realidades pudessem se inspirar e descobrir novas formas de pensar sobre esse trabalho. Foi bem difícil selecionar!

Você tem trabalhado com instituições em todo o mundo: onde você diria que há mais conscientização sobre a importância do contato das crianças com a natureza? E que políticas públicas ou iniciativas trouxeram essa consciência ou é algo que já fazia parte da cultura do lugar? 


O trabalho da organização Children and Nature Network se baseia em três pilares: apoiar a crença de que a natureza é essencial para o desenvolvimento saudável das crianças, seu aprendizado e seu bem-estar geral. O segundo é fazer crescer esse movimento que advoga por espaços mais verdes e aprendizagem ao ar livre, e o terceiro é promover mudanças sistêmicas para alcançar esse resultado. Se você olhar o mapa, a Europa é onde estão acontecendo mais projetos, principalmente os replicáveis. Mas eles ainda sentem que criar consciência é o mais difícil, mesmo com programas bem financiados e políticas públicas, como em Paris, Barcelona ou Roterdã. Um passo importante para isso é resgatar as experiências infantis que as pessoas tiveram e fazê-las ver que seus filhos não as têm agora, que a realidade mudou de uma forma dramática. Mas essa abordagem individual leva tempo. Mesmo quando estar na natureza faz parte da cultura, não existem garantias: alguém pode morar numa fazenda e ainda assim suas crianças passarem o dia no computador. Não é uma questão de ter natureza, é uma questão de valorizar seus benefícios e promover acesso. Por isso focamos nos espaços escolares: é onde as crianças estão todos os dias, e se elas tiverem contato regular com a natureza, especialmente aquelas que são mais vulneráveis, terão benefícios garantidos, algo que pode mudar suas vidas.

O que você acha que impulsiona as pessoas nessa mudança? O que as faz valorizar mais a natureza?

No projeto, nós listamos os benefícios de ter um pátio escolar naturalizado e promover a aprendizagem ao ar livre: estamos falando de melhoras na saúde, como melhor qualidade do sono e mais atividade física; melhoras na aprendizagem, com mais foco, espírito investigativo e criatividade, e também no meio ambiente, com a diminuição de poluição, a regulação de temperatura. Mas acho que, principalmente após a pandemia da covid-19, o que mais chama a atenção é como o contato com a natureza traz benefícios nas questões de saúde mental e aprendizagem socioemocional. Crianças e adultos estão lidando com inúmeras questões de saúde mental e em muitos lugares os tomadores de decisão, formuladores de políticas ou líderes, ouvem sobre esse benefício e aí a luz acende. Temos pesquisas realizadas por uma organização social parceira que mostram que, quando estão trabalhando com crianças e famílias com diferentes graus de sofrimento e estresse, a terapia do lado de fora tem muito mais impacto. Mesmo que realizem uma atividade idêntica. Estar ao ar livre muda a disponibilidade das pessoas para conversar e se abrir.
Claro que muitos gestores estão preocupados apenas em recuperar notas, outros com esse foco nas mudanças climáticas, em melhorar as ondas de calor, por exemplo, e alguns ainda entendem que é importante apoiar as crianças a se conectarem com a natureza para que se preocupem com ela a longo prazo. Todos esses são motivos que tocam, seja um político, um ministro da educação ou um professor.

Muitas pessoas que tiveram uma infância em uma área rural e se mudaram para cidades em busca de “progresso”, dinheiro e ascensão social associam a natureza a algo do passado ou a enxergam como perigosa ou suja, não querem que os filhos tenham contato com terra, que folhas caiam nos quintais ou na frente de suas casas. Como convencê-las de que fazer esse movimento de volta à natureza não significa abrir mão de desenvolvimento, mas ganhar saúde?

Sim, mesmo nos EUA, existe essa visão. Mas a natureza ainda faz parte de nós. Somos natureza. Portanto, se não estamos tendo esse contato, uma parte de nós sente essa falta, sente a desconexão e ficamos desregulados. Quando as pessoas vão para uma área verde, elas experimentam no corpo como isso faz diferença. Também sentem como espaços sem natureza são mais agressivos, mais duros. Não é abrir mão do progresso, mas voltar para onde nos sentimos bem. Várias pesquisas recentes mostram que a população mais vulnerável normalmente tem um impacto ainda maior com esse contato. Nesses casos, a natureza faz com que  a infância seja melhor em muitos sentidos. E a natureza não precisa necessariamente estar em uma área remota, pode ser integrada ao nosso redor: é um pássaro, uma árvore.

Como seria a escola dos seus sonhos?

Seria uma escola com muitas janelas para olhar para fora, para um espaço verde, mesmo que você não esteja interagindo o tempo todo com ele. Uma escola na qual as crianças tenham tempo para aprender ao ar livre tanto quanto no interior, e não apenas no recreio. Visitamos algumas escolas assim em Roterdã, na Holanda, que eram incríveis. E você podia ver as crianças absortas uma na outra, ou nas suas construções e brincadeiras no pátio da escola, sendo crianças… Eram espaços variados, com equipamento de escalada ou brincadeiras na água. Numa das escolas, havia três meninas de uns 6 anos com vestidos realmente bonitos e botas de chuva, que correram para fora, direto para a água, batendo os pés e espirrando.

No Brasil, muitas vezes isso é um problema. Alguns pais e escolas tentam manter as crianças limpas. Ficar molhado ou com terra pode gerar reclamações…

Ouvimos nessa escola que foi uma luta para começar com isso, os professores e pais ficaram chateados. E então eles tiveram a ideia de comprar essas botas de chuva e camisetas e propuseram experimentar por duas semanas. Depois disso, os pais viram como seus filhos estavam felizes e disseram: “Tudo bem, entendemos que é importante para nossos filhos”. E pararam de se preocupar. 

Como incorporar os espaços naturais nas estratégias de ensino e aprendizagem?

É um caminho. Por isso, quando começamos o programa com os pátios escolares, projetamos as transformações envolvendo toda a comunidade escolar: pais, vizinhos, professores, diretor, alunos. E depois de fazer as mudanças, sempre levamos os professores para fora, divididos em pequenos grupos e perguntamos: “O que você ensinou, na semana passada, ou agora há pouco, que poderia ensinar aqui? O que poderia ser adaptado para estar do lado de fora?”.  E um pouco de treinamento é realmente necessário, tem de haver uma formação de professores, dando a eles ferramentas. E assim voltamos à escola dos meus sonhos: nela, o lado de fora seria  pensado tal como o interior do edifício, que é usado para aprender, brincar, para reuniões e para momentos sociais.

O espaço externo possibilita uma relação diferente entre adultos e crianças, que por vezes pode amedrontar, ou ser desafiador. Uma coisa é o professor na frente de uma sala de aula, e todos sentados, olhando. Ali há uma marca clara de autoridade, de poder, uma distinção entre professor e alunos. Sair muda isso e pode afetar a relação de autoridade e o lugar de reconhecimento, não?

Sim, é definitivamente uma mudança de mentalidade: o professor passa a ser um facilitador quando está fora, e não mais um instrutor. Mas acho que quando eles  acabam vendo como os alunos aprendem, de tantas maneiras diferentes, e como aqueles que têm dificuldades dentro das salas de aula se saem muito bem do lado de fora, isso vira um estímulo. Ver um aluno que luta na sala de aula e realmente floresce fora é uma satisfação. E claro, dependendo do sistema em que você está, há um currículo a seguir mas, no final das contas, acho que todo mundo entrou na profissão para fazer a diferença. Professores querem apoiar o desenvolvimento saudável e integral das crianças. E se elas  forem envolvidas quando se projeta o espaço, e também na sua construção, o uso desse local externo para sala de aula ou brincadeira passa a ser muito maior. Eu honestamente trabalho neste campo há 23 anos e nunca ouvi falar de uma criança fugindo, se negando a aprender do lado de fora. É apenas uma mudança de cultura, e quando há um líder disposto a se comprometer com isso e encorajar a transformação, isso faz uma grande diferença. Assim como ter uma rede de professores que se reúna para trocar  suas experiências.

No Brasil, a maioria das escolas não têm áreas ao ar livre, e às vezes ficam em bairros muito vulneráveis onde não há praças ou parques ao alcance. Existe alguma estratégia que garanta o contato das crianças com a natureza dentro da escola?

Eu realmente não amo isso, mas essa realidade existe em muitos lugares. Fotos de natureza podem ter um impacto positivo em fazer as pessoas se sentirem mais calmas, de modo que isso pode ser usado nas paredes de uma sala de aula, bem como ter plantas e animais. Outra experiência que já vi é ter pequenos carrinhos de brincar com a natureza. E também incluir materiais naturais, sementes, partes soltas, gravetos, para que as crianças possam brincar, trazendo a natureza para dentro, Obviamente não é o ideal, você não está recebendo o ar fresco e a luz do sol, mas ajuda.

Qual é o próximo passo do projeto global?

Estamos trabalhando em três grandes áreas, junto com o comitê gestor: preencher as lacunas geográficas onde o movimento não está acontecendo, e para isso estamos tentando arrecadar fundos para apoiar novos programas. Também estamos criando um manual com 10 etapas com tudo o que ONGs, escolas ou governos precisam saber para começar esse movimento, e trabalhando na capacitação do educador, que é a alma disso. Muitas vezes, você pode instituir políticas e determinar mudanças de cima para baixo, mas não funciona. Todo mundo precisa ter treinamento prático, por isso pensamos em uma plataforma onde educadores possam encontrar recursos para experimentar, para pensar em como usar o exterior como um espaço de ensino. E a terceira área é continuar costurando parcerias e ter espaços de encontro para essa rede, tanto virtualmente como em espaços para trocas presenciais, como as que vão acontecer em São Paulo, na Conferência Espaços Naturalizados para as Infâncias. Queremos inspirar e estabelecer conexões e trocas de aprendizado.