
13 Jul Um passarinho me contou…Que tem natureza voando!
Biólogo e educador explica por que observar aves desperta o interesse pela natureza e ajuda crianças buscarem o céu aberto.
Por Mariana Sgarioni
13/07/2017
“Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
Meu irmão aceitou ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu, e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore, meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhe ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus. (…)”
Manoel de Barros
Estamos em 2017. Um dos meninos de Resende é hoje o biólogo Luciano Lima, 32 anos, mestre em zoologia, especializado em aves, e coordenador técnico do Observatório de Aves do Instituto Butantan, em São Paulo. “Aquele encontro não só influenciou como também determinou a escolha da minha carreira. Fiquei fascinado pela possibilidade de pesquisar estes seres. Eles eram como um álbum de figurinhas vivas espalhadas pelo mundo!”, lembra Luciano.
O ornitólogo – ramo da biologia que se dedica ao estudo de aves – está a frente do primeiro observatório de aves do Brasil. Foi um dos criadores da atividade #vempassarinhar, uma caminhada aberta ao público no Instituto Butantan, além de ser um dos organizadores do Avistar Brasil, o maior encontro de observadores de aves do país. “Estamos usando a observação de aves como ferramenta para aproximar as pessoas da natureza. Quando a gente apresenta os passarinhos para as crianças, por exemplo, é como mostrar uma cor nova. Elas aprendem e saem por aí vendo esta cor em todos os cantos”, diz.
A seguir, Luciano conta como seres humanos se sentem atraídos pelos pássaros e por que eles podem ser uma ponte para despertar o amor das crianças pelo planeta em que vivem.
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Como era a sua relação com a natureza e com as aves na sua infância?
A natureza era cotidiana. Minhas memórias de infância são das férias na casa dos meus avós na roça, no sul de Minas. A gente pescava, corria atrás de galinha. Mas o que eu mais gostava de fazer era caçar passarinho. Com estilingue. Para mim a forma de me relacionar com o passarinho ou era caçando, ou era prendendo.
Nunca vou esquecer do dia em que, aos 13 anos, fui apresentado à observação de aves ao ouvir aquele homem desconhecido me dizendo os nomes científicos dos pássaros, me mostrando as aves com o binóculo. Eu pensei: quero ser igual esse cara, quero fazer isso, quero viver disso. Nunca mais vi este homem. Mas virei ornitólogo. Era como se ele tivesse aparecido para mostrar meu caminho.
Criança tem um fascínio natural pelos passarinhos, não?
É intrínseco da criança. Em um trabalho recente publicado na revista Science, os pesquisadores mostraram a crianças um número igual de imagens de Pokémons e de animais nativos de sua região. Elas foram capazes de identificar mais de 80% de Pokémons e menos de 50% dos animais. Por que? Ora, porque apresentamos bichos que não existem para elas (os Pokémons) e não os que de fato existem (os animais de verdade). Não é desinteresse, e sim uma falha de comunicação. Se a criança não conhece, o adulto também não vai conhecer. Se você apresenta as aves para a criança há um fascínio imediato. É uma ferramenta de aproximação. Talvez porque sejamos mamíferos estranhos: enxergamos colorido, somos sociais, vocais, temos olfato ruim, não somos discretos. Os passarinhos também vocalizam muito, são multicoloridos, são chamativos. Percebemos o mundo do mesmo jeito que eles percebem. Sem contar que eles são os componentes da biodiversidade mais presentes na vida das pessoas. Essa presença no dia a dia desperta fascínio.
Os pássaros estão presentes mesmo no dia a dia dos grandes centros urbanos?
Você pode morar em qualquer lugar e vai ter passarinho .A quatro quarteirões da sua casa vai ter no mínimo 40 espécies de aves. Só dentro da área do Instituto Butantan, por exemplo, temos mais de 150 espécies de aves. Estamos a 15 minutos do metrô de São Paulo [risos].
Você só se conecta com aquilo que você vê. Ninguém conserva algo porque precisa e sim porque aquilo te toca de alguma forma, porque é lindo. Eu posso passar horas explicando por que precisamos conservar as baleias. Você vai entender toda a teoria (ou dormir no meio da explicação) [risos]. Mas se eu te botar num barco e você vir um dorsal de uma baleia vai ter interesse em manter aquilo vivo para sempre. Ok, baleia não dá pra levar todo mundo pra ver. Mas passarinho dá.
Observar então é uma forma de sensibilizar?
Sim, um dos principais objetivos é a conservação ambiental e das aves. Estamos usando a observação de aves como ferramenta para aproximar as pessoas da natureza. Criamos, por exemplo, no Instituto Butantan, a atividade #vempassarinhar. É uma caminhada aberta ao público, mensal. Distribuímos um folder com as espécies, parecendo um álbum de figurinhas. Depois tem um café da manhã coletivo, e o Papo de Passarinho, em que um pesquisador fala, de maneira informal, de algum tema de meio ambiente. Em média têm vindo entre 40 e 60 pessoas. O evento cresceu e agora tem também o #vempassarinhar no Rio, Minas, e interior de SP, tocado por parceiros.
O interesse em observar pássaros vem crescendo?
Há dez anos existiam 500 observadores de aves no Brasil. Hoje somos mais de 30 mil. É mais que um hobby, é um estilo de vida. Isso inclui crianças – tem uma menina brasileira de 14 anos que já fotografou na natureza mais de 470 espécies. Estas pessoas não precisam de teoria, nem de discurso. Simplesmente elas estabeleceram uma conexão com o que está vivo.
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